segunda-feira, 14 de setembro de 2015

"Não acredito que nos livremos da inflação na faixa dos dois dígitos"


"A manterem-se as actuais dificuldades de financiamento da economia, dificilmente se poderá manter o controlo sobre o ritmo de crescimento dos preços", alerta o também professor e consultor, que, nas actuais condições macroeconómicas, projecta uma inflação a "roçar a fasquia dos 14%".

Carlos Rosado de Carvalho
EXPANSÃO

A inflação voltou a escrever-se com dois dígitos ao atingir 10,4% em Julho. É o regresso do fantasma da inflação?
Para uma economia como a nossa, que nos últimos anos deu indicações estatísticas de alguma estabilidade de preços e do valor da moeda nacional, o retorno aos dois dígitos de inflação constitui preocupação. Até porque grande parte das poupanças, nesse período, passou a denominar-se em moeda nacional. Por outro lado, a retirada de grande parte dos meios de pagamento denominados em moeda externa que faziam pagamentos nas compras internas devolveu ao kwanza a maior responsabilidade de meio de pagamento. Logo, a perda do seu poder de compra é uma consequência directa do crescimento da inflação. Entretanto, estando identificadas as principais causas do actual deslizamento da inflação, é de esperar que alguma reanimação da economia mundial poderá ser benéfica à recuperação da estabelecimento da moeda nacional. De toda a forma, parece-me que 2015 será um ano de inflação a dois dígitos.
Quais os factores na base do aumento do ritmo de crescimento dos preços?
Parece-me que o principal factor tem que ver com a redução drástica dos recursos em moeda externa, como consequência da baixa do preço do barril de petróleo no mercado internacional, associada a uma redução média da produção petrolífera de Angola. Ora, no quadro de uma economia que recorre a importações de quase tudo o que se consome, é natural que a redução da capacidade de importação implique a redução da oferta de bens e serviços. Tratando-se em grande parte de bens e serviços de procura inelástica - como sejam os casos dos alimentos, medicamentos, vestuário e outros - a pressão sobre a oferta faz com que a elasticidade no preço de oferta aumente. Por outro lado, a escassez de divisas no mercado obrigou as autoridades a procederem à desvalorização da moeda nacional. Naturalmente isso provoca um encarecimento das importações e, logo, do consumo. A necessidade de aumento da produção interna esbarra com os mesmos problemas, uma vez que os insumos e matérias-primas para alimentar esse processo também são de importação e encareceram como todos os outros produtos.
Depois de uma previsão inicial de 8%, ponto médio da projecção do OGE 2015, o Governo elevou a meta para 9%, com o OGE 2015 revisto, e recentemente passou para 10,4%. Acredita que o objectivo será atingido, ou deve ser revisto?
A manterem-se as actuais dificuldades de financiamento da economia, dificilmente se poderá manter o controlo da oscilação de preços. A menos que, no limite, a escassez de recursos em moeda nacional limite os preços pela contingência objectiva do volume de meios de pagamento em circulação. Mas isso agravaria sobremaneira a redução da capacidade geral de consumo. Não nos esqueçamos também de que as nossas operações comerciais internas vinham sendo suportadas por dólares americanos que detinham os mesmos poderes que o kwanza. As medidas tendentes a contrariar esta anomalia também têm efeitos colaterais. A reposição do valor dos meios de pagamento enxugados, com a introdução de moeda nacional em substituição, tem também os seus efeitos sobre os preços nominais. Qualquer reanimação da economia mundial que eleve o consumo e o preço do petróleo poderá atenuar o nível de crescimento da taxa de inflação, mas não acredito que nos livremos da faixa dos dois dígitos. Penso mesmo que há condições macroeconómicas para roçar a fasquia dos 14%. Este é um dos custos que o movimento iniciado para a inversão da lógica das importações encerra.
O BNA de Angola tem vindo a restringir a política monetária para combater a inflação. Não corre o risco de matar o doente com a cura?
As medidas restritivas têm os seus efeitos secundários, como referi na resposta anterior. E estes devem ser bem calculados. É preciso determinar com o maior rigor possível os efeitos sobre o consumo, o crédito e a produção que a restrição de meios de pagamento produz. Afinal, as medidas monetárias restritivas não actuam só sobre a inflação. Aliás, uma inflação que se controle apenas por esta via está condenada ao descontrolo. Então, a responsabilidade do controlo da inflação não pode ser atribuída unicamente ao Banco Nacional de Angola.
Tendo em conta o trade-off entre inflação e desemprego, as autoridades angolanas não deveriam aceitar mais inflação para ter menos desemprego?
Aqui se coloca a eficácia das medidas monetárias sobre o emprego. Entram em questão aspectos como a qualidade da despesa. Há sectores da economia que, sendo muito exigentes em investimento financeiro, têm pouco impacto sobre o crescimento da inflação - como é o caso da construção civil e obras públicas. Mas não se pode esgotar o desemprego apenas neste sector da economia. Então é necessário diversificar as opções de aplicação dos financiamentos tanto do ponto de vista geográfico quanto do ponto de vista dos sectores da economia. De outra forma, é iminente o perigo da estagflação, pois o mercado parece indicar o crescimento da inflação no mesmo sentido que o desemprego - apesar de esta ser uma variável ainda muito deficientemente mensurada. São apenas percepções…
A aceleração da inflação não compensada por aumentos dos salários terá como consequência uma perda do poder de compra. Contudo, o Estado e as empresas não parecem ter muitas condições para proceder a aumentos. Acha que existe risco de aumento da conflitualidade laboral?

É uma contingência do amadurecimento do mercado de emprego. Neste particular, observamos já a tendência de o Estado deixar de ser o principal empregador, dando-se à iniciativa privada a possibilidade de se consolidar e gerar empregos tantos que a conduzam à condição de principal empregador. E não é por acaso que se observa cada vez mais a tendência de organização corporativa de empregadores, mas também de sindicatos de trabalhadores. As reivindicações são cada vez mais consistentes e juridicamente assistidas. O Estado, do seu lado, promoveu recentemente a revisão da legislação laboral. É claramente um sinal de atenção ao novo ambiente laboral com todas as suas consequências sobre o status social do País. Não haja dúvida de que o valor do trabalho se está a realinhar não só por contingências económicas, mas também por conflitos trabalhistas naturais em sociedades em transformação. Entretanto, o contrato social do Estado com as entidades representativas dos trabalhadores, as confederações sindicais, estabelece o ajuste gradual do nível de remunerações em função do aumento da inflação, de forma a atenuar a perda do poder de compra. Acredito que, a breve prazo, este mecanismo será despoletado, reduzindo assim o potencial de conflito.

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