terça-feira, 4 de agosto de 2015

Angola à beira de um abismo. William Tonet






No actual des­calabro financeiro angolano, enxerta­ram-se num curto espaço de um punhado de meses, violações dramáticas dos direitos humanos consa­grados pela constituição da República de Angola. Umas dramáticas - sigam o nosso olhar para o geno­cídio indesmentível do 16 de Abril do ano em curso de mais de mil fiéis desar­mados e sentados a cantar a Deus no Monte Sumi, na província do Huambo -, outras grotescas, como a de que foram vitimados quinze jovens encontrados numa casa da Vila Alice a dissertar sobre uma obra considerada subversiva e atentatória à Segurança do Estado, o que deu origem a um estapafúrdio encar­ceramento por via de uma acusação quase poética de “tentativa de golpe de Es­tado”.
Os jovens foram imediata­mente encarcerados e pos­tos num estádio de isola­mento total durante 10 dias. Em seguida, foram levados para uma prisão situada a cerca de 70 quilómetros de Luanda, onde foram in­terrogados por agentes da autoridade estatal. Apenas quatro dentre eles tiveram direito a assistência de um advogado. Uma vergonha, um escarro judicial dado à queima-roupa pela Segu­rança do Estado na figura do chefe supremo!
(Figura de estilo volunta­riamente retorcida, pois as orientações vêm do Titular do Poder Executivo!)
No fundo de todas estas exacções (com cubanos, kalupetekas e revús), im­pera um facto: o regime deixa pouca coisa ao acaso, domina os media, nomeia os seus lacaios para dirigir as instituições que levam a cabo as eleições, coopta políticos da oposição e in­timida os opositores. Por isso se pode dizer que não há oposição em Angola. Reina o medo de ser assas­sinado.
E, nesta caminhada que Angola está a fazer rumo a uma verdadeira ditadu­ra, compete-nos relembrar que «o general Kopelipa presidiu a um aparelho eleitoral que deixou 3,6 milhões de pessoas im­possibilitadas de votarem: quase tantos votos quantos o MPLA teve. A percen­tagem de votos do MPLA caiu 9 pontos comparando com as eleições de 2008, mas registou ainda assim uma vitória esmagadora, com 72 por cento dos votos. No novo sistema, o primei­ro nome na lista do partido vencedor seria o presiden­te. Mais de três décadas de­pois de tomar o poder, José Eduardo dos Santos podia dizer que tinha um manda­to absoluto para governar “ad eternum”, apesar das revelações de uma repu­tada sondagem de opinião que mostravam que tinha a aprovação de apenas 16 por cento dos angolanos (Financial Times)».
Entretanto, cerca de meta­de da população de Angola vive abaixo da linha inter­nacional de pobreza de 1,25 dólares por dia. Para dar uma ideia, podemos dizer que a esses mais-pobres levarlhesia, a cada um, cerca de 260 anos para ga­nhar o suficiente que lhes permitisse comprar o apar­tamento mais barato no Kilamba.
O partido no poder prome­teu eletricidade na campa­nha eleitoral de 2008, mas pouca chegou e nada ou muita coisa sobrou da últi­ma promessa de abastecer água canalizada, feita no período que precedeu as eleições de 2012.
E entretanto, o governo gastou 1,4 vezes mais na Defesa do que na Saúde e na Educação em conjunto. Por comparação, o Reino Unido gastou quatro vezes mais em Saúde e Educação do que na Defesa.
Citemos ainda o Financial Times.
«Os generosos subsí­dios ao combustível são apresentados como um bálsamo para os pobres, mas na verdade, funda­mentalmente beneficiam os suficientemente ricos para poderem ter carro e os politicamente rela­cionados para ganharem uma licença de impor­tação de combustível. O governo de Angola meteu petro-dólares em contra­tos para estradas, habi­tação, caminhos de ferro e pontes a um ritmo de 15 mil milhões de dólares por ano, na década até 2012, uma soma enorme para um país com 20 mi­lhões de pessoas. As es­tradas estão melhores, os caminhos de ferro estão lentamente a chegar ao interior, mas a explosão na construção também se revelou uma benesse para os burlões: calculase que os subornos sejam responsáveis por mais de um quarto dos custos finais dos contratos de construção do governo. Além disso, muito do fi­nanciamento é feito sob a forma de crédito da China garantido pelo petróleo, sendo que muito desse crédito é controlado por um departamento espe­cial que o general Kopeli­pa dirige há anos».
Somos de opinião que só um abandono do poder por parte de José Eduardo dos Santos poderá evitar uma explosão social, quiçá uma banca-rota técnica.

Folha 8. 01 de Agosto 2015

Angola. Mais um indício de bancarrota



E se nos der­mos ao pe­noso sacrifí­cio de ouvir e ver o que é transmi­tido pela TPA, o melhor é esquecer o que se passa em Angola e imaginar um país de sonho, uma espécie de paraíso na Terra aberta a todos e com riquezas a serem distribuí­das por todos.
Ora o que acontece é exac­tamente o contrário, a aber­tura faz-se apenas entre camaradas formatados ou depois de terem sido do­mesticados, num espaço ideológico sem lógica algu­ma e num circuito fechado a sete chaves montado numa “lavandaria cerebral” a fim de levar os aprendizes de servos a serem ainda mais retintos servos que os seus mestres e a dizer amém a tudo o que o Executivo faz.
O problema essencial é que o pretenso Executivo não executa coisa nenhuma, delega poderes que não são poderes e viabiliza campa­nhas de assistência usando quase sempre fintas de toda a ordem, assentes numa mania antiga do MPLA de tomar desejos por realida­des que nunca se concre­tizam. Depois, o Executivo esquece-se de pagar os seus servidores. Não paga mes­mo, não respeita o que pro­mete, seja na Educação, na Cultura, no Desporto, nas Obras Públicas ou na Saú­de, isto sem falar em outras áreas, e por aí vemos quan­to é nocivo para o país o seu desempenho autocrático.
Um exemplo flagrante do catastrófico desastre go­vernativo acaba de nos ser anunciado a propósito da­quilo que se está a passar com os médicos e professo­res cubanos que vieram se instalar no nosso país para preencher os buracos, ou melhor, as crateras lunares que afectam a nossa socie­dade nesses dois sectores primordiais para o bem­-estar de toda a população angolana em geral, Saúde e Educação.
Esta semana, como referido em força pelas redes so­ciais, ficaram os angolanos a saber que há três anos que Angola não paga aos médi­cos e professores cubanos destacados no país. «A si­tuação é crítica e já se equa­ciona uma ponte aérea. A partida dos técnicos de Fi­del poderá assumir contor­nos dramáticos, sobretudo na área da Saúde, uma vez que são os únicos que acei­tam trabalhar nas zonas mais remotas do interior», revelou o semanário portu­guês Expresso.
De facto, mais de mil téc­nicos cubanos dessa área, assim como os que oficiam no ensino superior poderão abandonar Angola nos pró­ximos tempos se o governo de Luanda não liquidar a dívida contraída junto de Cuba.
E um alerta foi dado por essa mesma fonte, «Se esta retirada se vier a consumar, 150 médicos, professores universitários e outros téc­nicos cubanos poderão co­meçar a deixar Luanda no inicio do próximo mês», augúrio a que o nosso con­frade “Agora” aludiu, ao re­velar que «Luanda deixou de honrar os seus compro­missos junto da Antex, a empresa estatal de Cuba, responsável pela contrata­ção dos técnicos». Note-se que cubanos em Angola são mais de mil!
A verdade é que a econo­mia angolana está a chegar às fronteiras de uma frau­dulenta banca-rota, numa altura em que se multipli­cam os investimentos no luxo e em negócios de pres­tígio, levados a cabo para dar de Angola uma imagem de grandeza e estabilidade institucional, quando, pre­cisamente nesta altura, no próprio seio do partido no poder grassa o desconten­tamento face aos incríveis tiros nos pés que o Execu­tivo tem dado, malermbe­-malembe até há bem pou­co tempo, freneticamente nestes últimos tempos.

Folha 8. 01 de Agosto de 2015

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Editorial: Também tu, Angola?



Carlos Rosado de Carvalho

Uma das perguntas clássicas das minhas provas de avaliação da disciplina de Moeda e Bancos aos finalistas de Economia na Universidade Católica de Angola é um pedido de comentário a uma frase de 2009 do escritor e jornalista João Melo. Tudo passa por saber se, ao utilizar instrumentos de política monetária, como o aumento das reservas obrigatórias e da taxa de redesconto, as autoridades não estarão a restringir demasiado o crédito, matando o doente com a cura, questionou o então deputado do MPLA citado pelo jornal O País. Aos mais distraídos, lembro que, em 2009, como hoje, Angola enfrentava graves problemas económicos devido à queda do preço do petróleo. Hoje, como então, as políticas económicas de resposta à queda do petróleo, sobretudo as monetárias, são fortemente contraccionistas.
Com uma pequena nuance ao nível dos instrumentos utilizados. Em 2009, os sinais sobre o curso da política monetária eram dados pelo aumento das reservas obrigatórias e da taxa de redesconto, e agora, além da taxa de reservas, o BNA utiliza a taxa básica. Uma nuance que deriva do novo quadro operacional da política monetária adoptado no final de 2011, mas que, no essencial, conduz aos mesmos resultados.
Desde que, em Outubro de 2014, o BNA 'acordou' para a queda do preço do petróleo, a política monetária foi 'apertada' sete vezes: três subidas da taxa de reservas obrigatórias e quatro aumentos da taxa básica do BNA.
A decisão do BNA de tornar o crédito mais difícil e caro numa altura em que a economia está em forte desaceleração vai contra o que dizem os manuais de economia.
Segundo as propostas do economista John Maynard Keynes, quando uma economia está a perder velocidade, as autoridades do país devem adoptar uma combinação de políticas monetária e fiscal. No primeiro caso, baixando os juros; no segundo, aumentando os gastos públicos. A ideia é estimular a procura e, com ela, a própria economia. Como fizeram os EUA, por exemplo.
Em Angola está a fazer-se o contrário. Um pouco à moda da política austeritária europeia. Não só os juros estão a aumentar, como o Governo anunciou um plano de austeridade assente em 'cortes' na despesa pública. Ou seja, as políticas monetária e orçamental angolanas são pró-cíclicas, isto é, arriscam arrefecer ainda mais uma economia cujo crescimento foi revisto em baixa já por duas vezes. Após terem começado nos 9,8% com o OGE 2015 inicial, as projecções actuais não ultrapassam os 4,4%.
Apesar de as decisões das autoridades angolanas contrariarem aquilo que dizem os manuais de economia e o que outros países estão a fazer para combater a crise, não quer dizer que a política económica do Governo esteja errada. Acredito que não está. As opções austeritárias do Governo em matéria de políticas monetária e orçamental podem parecer tanto mais estranhas quanto se sabe que Angola precisa urgentemente de diversificar a sua economia, e isso passa por mais crédito e mais barato e mais investimento em infra-estruturas.
Mas é só aparência. Se as autoridades utilizassem as políticas monetária e cambial para ajudar a economia em desaceleração, arriscavam pôr em causa a estabilidade macroeconómica do País - com (ainda maior) agravamento das contas públicas, aumento da inflação e forte desvalorização da moeda. E sem estabilidade macroeconómica não há crescimento sustentável. O tempo dirá se Angola fez a escolha certa.


Estado controla um terço dos activos da banca em Angola. Carlos Rosado de Carvalho



Carlos Rosado de Carvalho 30-7-2015 15:06

No último exercício, o Estado participava em 11 dos 23 bancos a operar no País, controlando activos no valor de 2,3 biliões Kz, o equivalente a 32,8% dos activos de todo o sistema bancário angolano.
O Estado controla cerca de um terço dos activos bancários em Angola através de participações directas e indirectas em 11 dos 23 bancos que operaram no País no exercício de 2014, de acordo com cálculos do Expansão.
No final do ano passado, os activos dos 23 bancos em actividade ascendiam a pouco mais de 7 biliões Kz. O Estado controlava activos de 2,3 biliões Kz, o equivalente a 32,8% dos activos do sistema bancário angolano.
As participações do Estado nos bancos nacionais vão de uns meros 7,7% indirectos no BAI Microfinanças (BMF) até 100% directos no Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA). A Sonangol, com participações em sete instituições, assegura mais de metade das participações bancárias do Estado.


China/Sonangol/Crescimento económico: 3 assuntos da máxima actualidade (2.ª parte)



Alves da Rocha

No artigo anterior, dos três assuntos de relevo aí seleccionados, restaram dois que são agora explicitados. A segunda nota de relevo é o relatório da Sonangol, assinado pelo seu presidente, em que se reconhece a falência do seu modelo operacional e que a maior empresa angolana não consegue funcionar sem o apoio do Tesouro Nacional.
Mas que tremendo paradoxo: a Sonangol, enquanto concessionária única dos hidrocarbonetos do País, é que tem de alimentar os cofres do Estado, e não o contrário. Estamos, assim, perante a queda de um 'gigante de barro'? É impressionante ler este relatório, onde se põem a nu os tráficos de influência veiculados pela e através da empresa, os contratos-sombra de centenas de milhões de dólares, o outsourcing de serviços seleccionados (em 2014, foram gastos em consultoria 257 milhões USD; em assistência técnica, 124 milhões USD, num total de quase meio milhar de milhão de dólares) e o montante de salários pagos (1.239 milhões USD).
É a rubrica de outsourcing que torna os resultados líquidos da empresas substancialmente negativos e estimados, no citado documento, em 1.187 milhões USD em 2014 (colmatados pelas transferências do Tesouro Nacional). A frase utilizada pelo presidente da Sonangol é lapidar (aplicável a certos ministérios que fazem da assistência técnica estrangeira uma forma de funcionamento normal das suas actividades): "Deixámos de aprender a saber fazer, para aprendermos a contratar e a subcontratar".
O número de trabalhadores efectivos da empresa ascende a 8.500, mas o relatório acrescenta mais 4.500/5.000 correspondentes a uma variada tipologia de contratação de serviços. Ou seja, de trabalhadores cujo serviço não é controlado pela Sonangol, limitando-se a pagar as facturas emitidas pelas entidades que supostamente prestaram um determinado serviço. Presume-se, assim, que o montante global de salários pagos em 2014 abarcou apenas os trabalhadores efectivos da empresa, perfazendo um salário médio mensal de mais de 11.200 USD, considerando 13 meses. Esta questão do emprego é outra que faz parte da agenda dos desafios e dos riscos do País.
Desafios, porque, conforme explicarei já de seguida, não vai ser fácil conciliar ganhos de produtividade - essenciais e indispensáveis para a competitividade em economia aberta - e criação significativa de emprego. Riscos, porque a economia nacional está envolvida por muitas fraquezas e desequilíbrios estruturais.
A ilustração mais evidente desta afirmação está no facto de, depois da 'tempestade' petrolífera de 2008/2009 que atirou o preço do barril para a casa dos 45 USD e da recuperação quase imediata (2010) para níveis semelhantes aos anteriores, Angola nunca mais atingiu os padrões de crescimento do PIB registados até 2008 (11,17% neste ano). De acordo com as Contas Nacionais, os registos foram os seguintes: 2,14% em 2009, 3,56% em 2010, 1,86% em 2011, 5,82% em 2012, 3,98% em 2013 e 4,4% em 2014. Entre 2004 e 2008, a taxa média anual de variação real do PIB foi de 12,5%, enquanto a relativa ao período 2009/2014 foi de apenas 3,36%.
Até 2020, e de acordo com as antecipações das mais reputadas agências internacionais de desenvolvimento (FMI, Banco Mundial, OCDE, BAD, EIU), a taxa média anual de variação real do PIB situar-se-á na vizinhança de 5%. Verifica-se, na verdade, uma desaceleração estrutural do crescimento económico do País, que poderia ter sido contrariada com a diversificação das exportações e a criação de uma massa crítica de procura nacional endógena (ainda que possam ser reconhecidos alguns avanços na redução da pobreza, o que é facto é que foram marginais e não sustentáveis e agora fortemente abalados pela crise do preço do petróleo).
Com estes registos, a evolução do emprego (e dos salários) fica seriamente comprometida, dentro de parâmetros razoáveis de competitividade. A questão essencial a colocar e a debater está em saber se o crescimento económico é factor suficiente para a reversão do desemprego e para a criação sustentada de emprego líquido no futuro. Também se pode colocar esta problemática de maneira um pouco diferente, mas que conduz ao mesmo tipo de reflexão: a que taxa média anual deve crescer a economia para que a taxa de desemprego decline significativa e sustentadamente durante um período razoável, digamos 10/15 anos?
Adjacente à capacidade de geração de emprego sustentável do crescimento económico, está a matéria salarial, ou, de modo mais geral, do poder de compra da sociedade: são suficientes taxas expressivas de variação anual do nível de actividade para que os salários aumentem e as famílias vivam melhor? Claro que o crescimento económico é necessário. Pode é não ser suficiente. E não faltam estudos e evidências empíricas para se concluir que, na maior parte das economias do planeta, sejam desenvolvidas ou em vias de desenvolvimento, o crescimento económico parece ter estabelecido uma relação de amigável convivência com o desemprego.
Jeremy Rifkin tem uma visão catastrófica da evolução do emprego durante o século XXI, chegando a admitir que o fim do emprego está próximo: "Nas décadas centrais do século XXI, a esfera comercial disporá dos meios tecnológicos e da capacidade organizacional para oferecer bens e serviços básicos a uma expansiva população, usando uma pequena fracção da força de trabalho actualmente empregada. Talvez menos de 5% da população adulta venha a ser necessária para gerir e operar a esfera industrial em 2050. Fazendas agrícolas, fábricas e escritórios quase despovoados serão a norma em todos os países".
A admirável revolução nas novas tecnologias da informação e comunicação foi a grande responsável pelo espectáculo do crescimento económico nos Estados Unidos durante os anos 90 do século anterior. O factor associado foi a produtividade, cujo incremento permitiu aumento do PIB, variação positiva do emprego e estabilidade dos preços. Foram bastantes as reflexões teóricas que se produziram acerca deste fenómeno de crescimento económico com aumento de emprego e queda dos preços, tendo chegado a admitir-se que se estaria no limiar de uma Nova Economia. Foram interessantes os debates entre economistas famosos, destacando-se Rudiger Dornbush, Roger Fergunson, Paul Samuelson, Robert Gordon, Paul Krugman e Joseph Stiglitz.
A última nota refere-se aos níveis de confiança/desconfiança no País. As instituições desconfiam dos cidadãos, e estes do Estado. O excesso de burocracia é uma ilustração da desconfiança do Estado perante os cidadãos, levantando obstáculos severos ao acesso a condições, canais e circuitos que ajudam a melhorar a sua condição de pessoa ou de empresário. O controlo da saída de divisas no aeroporto internacional de Luanda é outra ilustração da desconfiança das instituições do Estado, porque se pergunta, quando se passa o controlo das bagagens, revista-se na alfândega, e volta a revistar-se à entrada das aeronaves. Esta desconfiança aguça os espíritos mais atreitos a cometerem ilegalidades para se conseguir um mínimo de sossego.
Outro aspecto que eleva os níveis de desconfiança refere-se à transparência do sistema bancário nacional. Aludo, em particular, ao 'caso BESA'. Um ano depois do escândalo, ainda ninguém foi esclarecido sobre o 'desaparecimento' de 5,5 mil milhões USD. Os nomes dos eventuais tomadores dos empréstimos continuam envoltos em mistério e é quase certo que assim prossiga, porque o BESA é agora estatal sob a designação de Banco Económico SA (no fundo, BESA).
Em carta datada de 27 de Março de 2014, José Lima Massano (na altura governador do banco central angolano) afirmava que "os banqueiros não estavam autorizados, sob nenhuma forma, a identificar contas ou revelar nomes de clientes com quem trabalhassem". A crise do preço do petróleo iniciada em meados de 2014 começa a pôr a descoberto as muitas debilidades dos nossos sistemas, económico, financeiro, social e institucional, colocando em risco algumas das conquistas conseguidas depois de 27 anos de guerra civil.


Activista detido em Calomboloca tenta suicídio



Evaristo Albano, conhecido por Bingo-Bingo, diz que se as vidas deles dependem de José Eduardo dos Santos "não têm valor".

Redacção VOA

Um dos activistas detidos na prisão da Calomboloca tentou suicidar-se nesta segunda-feira, 3, soube a VOA junto de fonte segura.
Evaristo Albano, conhecido por Bingo-Bingo, terá tentado usar uma corda para retirar a própria vida, segundo disse o director da cadeia ao activista Raúl Mandela que esteve naquele estabelecimento prisional.

Segundo Mandela, Bingo-Bingo justificou a sua decisão com o facto de que se as vidas dos activistas dependem “inteiramente do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, então não têm nenhum valor".

Angola. Universidades privadas com 160 cursos ilegais


Ministério do Ensino Superior divulga listas de cursos ilegais para alertar estudantes e docentes, e para apelar à regularização da situação por parte das instituições visadas.

Sita Sebastião
http://expansao.co.ao/Artigo/Geral/59591

O Ministério do Ensino Superior detectou a existência de 160 licenciaturas cujos decretos não estão legalizados em universidades privadas, revela um documento divulgado nesta semana pela entidade liderada por Adão do Nascimento.
De acordo com o documento, existem em Angola 282 licenciaturas e cinco bacharelatos em instituições públicas, e 466 licenciaturas (das quais 306 legais) e dois bacharelatos em universidades privadas. Ou seja, no total há 588 cursos legais. No total, há 73 instituições de ensino superior no País, das quais 28 públicas e 45 privadas, sendo que, no sector estatal, existem quatro entidades que estão criadas mas não se encontram em funcionamento.
O estudo revela ainda que o ensino superior público está presente todas as províncias, enquanto o privado está presente em 14. A informação sobre a legalidade dos cursos e instituições serve de base para o reconhecimento oficial dos graus, títulos e qualificações académicas adquiridos, explica o documento do Ministério que tutela o Ensino Superior. Entre os dados divulgados estão os decretos de criação de cada uma das instituições, a região académica em que estão enquadradas, as unidades orgânicas e a designação dos cursos ministrados.
Apelo à regularização
"Além do carácter informativo, a lista divulgada pelo Ministério do Ensino Superior pretende apelar às instituições com situações irregulares para a necessidade urgente de regularização da sua situação junto das entidades competentes", lê-se no documento.
O ministério pretende ainda alertar "os estudantes e os empregadores, bem como a sociedade em geral, em relação aos riscos que correm ao frequentarem cursos não legalizados". Entre os riscos, explica o documento, estão "problemas no reconhecimento dos graus, títulos e diplomas obtidos, porquanto todos os actos, benefícios e títulos decorrentes do funcionamento ilegal das instituições de ensino superior são nulos para efeitos académicos".
"Nos termos do Decreto n.º 90/09, de 15 de Dezembro (Normas Gerais Reguladoras do Subsistema de Ensino Superior), a abertura e o funcionamento de instituições de ensino superior públicas ou privadas só é permitida após a autorização da sua criação pelo Conselho de Ministros e o respectivo licenciamento pelo órgão de tutela", avança a nota do ministério. "Como refere o mesmo diploma legal, a criação de cursos superiores deve ser solicitada pela instituição de ensino ao órgão de tutela, devendo os cursos entrar em funcionamento após a sua legalização e autorização pelo Ministério do Ensino Superior", acrescenta o mesmo documento.
"Por outro lado, nos termos do referido diploma legal, as instituições de ensino superior devem, obrigatoriamente, mencionar, nos seus documentos informativos destinados a difusão pública, a data de criação, licenciamento e autorização de funcionamento da instituição e dos cursos", explica ainda o Ministério do Ensino Superior.


O Poder e a Justiça nas Mãos da Polícia Política


Rui Verde, doutor em direito
A polícia larga presos que são sequestrados, de imediato, por homens à paisana armados, que os amontoam numa viatura e dão voltas intermináveis, deixando-os no meio de nenhures…Todos julgavam que iam ser mortos.
Esta descrição não saiu de um romance de ficção. Aconteceu a semana passada no Estado de Direito Democrático de Angola…

MAKAANGOLA

Ao ler a descrição dos acontecimentos do passado dia 29 de Julho  – polícia a saltar muros para arrombar casas e deter pessoas sem mandado, polícia a receber ordens dos serviços secretos, directores de serviços secretos a enquadrarem prisões, operações policiais de grande envergadura sob o comando do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM) – parece que os siloviks angolanos estão a assumir o poder, como na Rússia de Putin. Os “durões” –  ou siloviks, nome dado aos agentes do KGB – assumiram os postos-chave do poder, conduzindo o país para a autocracia.
Todos estes actos parecem retirados de um manual de más práticas da Tcheka, a polícia política do ditador soviético Josef Stalin, e são o prelúdio habitual do início de uma caça às bruxas.
Quando se lêem as descrições das actividades do chefe da Direcção Principal de Contra-Inteligência Militar do SISM, o tenente-general José Afonso Peres “Filó” a comandar as operações e a interrogar os presos, quando se toma nota das conversas que este alto dirigente da secreta tem com o chefe do SISM, general Zé Maria, o que se percebe é que o Estado de Direito Democrático angolano protegido pela Constituição está a ter uma nova fonte de direito: as ordens da polícia secreta ou polícia política.
Ao mesmo tempo, a desorientação e a insegurança que as acções da polícia demonstram são surpreendentes. Agindo sem mandado legal e sem ordens claras da cadeia de comando normal, vê-se que a polícia hesita, tergiversa, bate e pede desculpa, prende e liberta. Trata-se de uma anarquia que vai reinando nos órgãos poder e que abre as portas aos “durões”, que pretendem impor a sua ordem através da força.
Entretanto, as declarações públicas vão sendo contaminadas por uma novilíngua orwelliana, sinal claro da deriva autocrática-policial. É assim que, por exemplo, para dizer “preso” se utiliza a expressão “recolhido”. Muito em breve, para dizer “preso” dir-se-á “livre”, para dizer “ditadura” dir-se-á “democracia”, para dizer “mal” dir-se-á “bem”.
É cada vez mais evidente: está em curso um vasto e intenso endurecimento do regime liderado pelos siloviks, mais do que um putativo desmantelamento de movimentos de jovens revolucionários, que servem de bodes expiatórios.


Polícia Nacional Encobre Rapto de Manifestantes


Rafael Marques de Morais
MAKAANGOLA

Laurinda Gouveia, a única mulher no grupo dos activistas raptados.

Oito dos nove manifestantes detidos pela Polícia Nacional (PN) a 29 de Julho, cujo paradeiro foi mantido incerto por um dia, foram raptados imediatamente após à libertação pelas autoridades policiais.

Adão Bunga “MC Life”, Adolfo Campos, Agostinho Epalanga, Kika Delegado, Laurinda Gouveia, Manuel José Afonso “Feridão”, Mário Faustino, Raúl Mandela e Valdemiro Piedade passaram por uma experiência aterradora. Alguns deles encabeçam a lista dos manifestantes mais perseguidos pelas autoridades e com mais detenções e sujeições a espancamentos.

Por volta das 16h00, junto ao Cine Atlântico, na Vila Alice, uma composição policial impediu a progressão da maioria dos referidos activistas, que tentavam caminhar juntos para o Largo da Independência, onde pretendiam manifestar-se.

A polícia deteve-os – segundo linguagem oficial, “recolheu-os” – e encaminhou-os para a 3ª Esquadra, no Pau da Cobra, na Vila Alice. Os activistas Mário Faustino (recentemente libertado após mais de 40 dias na prisão sem culpa formada) e Delegado foram detidos a posteriori e encontraram os outros acima mencionados já na referida esquadra.

Meia hora depois, o comando da referida esquadra procedeu ao transporte dos “recolhidos”, numa viatura Toyota Land-Cruiser, para o município de Viana. Um patrulheiro e três motorizadas constituíram a escolta.

“Durante o trajecto, gritávamos dentro da viatura, em protesto. Parámos frente ao portão da Comarca de Viana, à espera de ordens”, referiu Mário Faustino.

Segundo os activistas, surgiu no local uma terceira viatura, um Suzuki Jimny com oficiais da polícia, que manteve comunicação com o chefe da missão. Em obediência a novas ordens, a caravana  retomou viagem para Luanda Sul, tendo libertado os  manifestantes pouco depois das 20h00, no Bairro Jacinto Tchipa.

João Paposseco Suanga, que tinha dinheiro consigo, retirou-se imediatamente, em busca de transporte para casa, em Viana, no Quilómetro 30.

“Nós queríamos pedir ajuda para nos apanharem porque não tínhamos dinheiro para pagar o transporte de todos”, explicou Mário Faustino. O activista referiu também que de repente se viram envolvidos por duas viaturas com vidros fumados, das quais desceram homens armados à paisana, com cartucheiras ao peito, que os colocaram sob mira das armas. “Obrigaram-nos a deitar numa das viaturas, estendidos de barriga para baixo e uns por cima dos outros, tipo sacos de bombó”, lamentou.

Assim começou o inacreditável calvário dos activistas. Todos as vítimas – contactadas  individualmente pelo Maka Angola – contaram a mesma história: passaram quase 24 horas como “sardinhas enlatadas”, às voltas de carro, acabando numa mata a leste de Luanda.

“Pensámos que estávamos a ser levados para sermos abatidos”, temeu Feridão.

Mário Faustino queixou-se com mais veemência da violência física. “Eu sofri mais com o pisoteamento, os pontapés e os socos, porque os captores acusaram-me de ser o grande incentivador para os ex-militares se manifestarem. Nem consigo ficar de pé, de tanta pancada e dores.”

“Parámos à noite por umas horas, mas não sabíamos onde estávamos e não tínhamos noção do tempo”, declarou Laurinda Gouveia. A única mulher do grupo lamentou ainda o facto dos raptores não lhes terem sequer providenciado água para beber, durante o período de rapto.

De acordo com Adolfo Campos, sempre que solicitados, os raptores paravam as viaturas para permitir que os activistas aliviassem as suas necessidades fisiológicas, mas de olhos vendados. Segundo o activista, também fizeram algumas pausas durante o dia, para que os sequestradores se revezassem e descansassem.

“Eles [raptores] parecem bruxos. Parávamos sempre no meio da mata. Ficámos com a impressão que estavam à espera de uma ordem de alguém muito alto [no topo da hierarquia] do poder para nos executarem.”

Mário Faustino afirmou que à excepção do contacto inicial e de questões pontuais, os raptores “não falavam connosco. Estavam sempre ao telefone, mas paravam a viatura para falar fora. Só ouvíamos ordens e linguagem codificada”.

 Assalto à Casa do Paposseco

Ao Maka Angola, o comandante provincial de Luanda, comissário-chefe António Sita, havia afirmado que os então activistas “desaparecidos” encontravam-se voluntariamente escondidos em casa de Paposseco. Disse ainda que enviaria para lá uma patrulha policial para “vê-los”.

“O comandante Sita recebeu informações falsas dos seus subordinados ou da secreta. O que o comandante disse sobre os activistas se terem escondido em minha casa é pura mentira”, afirmou Paposseco.

No dia seguinte, 30 de Julho, Paposseco dirigiu-se ao serviço e cumpriu a sua rotina. Só perto do meio-dia soube, por um colega que leu a notícia do Maka Angola, sobre as declarações do comandante Sita, segundo as quais Paposseco teria escondido os “desaparecidos” para criarem “factos políticos” contra o governo.

Por volta das 16h00 de ontem, vários agentes policiais cercaram a residência de Paposseco e detiveram o seu irmão, que foi levado à esquadra policial do Quilómetro 30. “Revistaram a casa toda. A minha mulher deu à luz há semanas. O bebé estava a dormir quando a polícia a obrigou a retirar o bebé para revistarem o colchão à procura dos manos [os activistas desaparecidos].”

Segundo Paposseco, nem o seu vizinho escapou à revista. “A polícia também invadiu a casa dele. Usaram a desculpa de que estavam à procura de drogas.”

Entretanto, na esquadra, “os investigadores mostraram a minha foto e a dos revús [activistas antigovernamentais] desaparecidos. Queriam saber onde estávamos”, adiantou Paposseco.

A Cabala

Por volta das 18h00, segundo depoimentos das vítimas, as viaturas pararam num ermo e ordenaram aos passageiros que se alinhassem de costas viradas para os sequestradores.

“Avisaram-nos de que se algum de nós olhasse para trás levaria tiros”, afirmou Feridão. Os agentes retiraram-se. “Passado pouco tempo, um de nós ganhou coragem, olhou para trás e viu que todos os raptores tinham ido embora e deixado o saco com os nossos telemóveis”, relatou Mário Faustino.

Conhecedor nato da região de Icolo e Bengo, de onde a sua família é originária, Mário Faustino diz ter reconhecido logo que se encontravam na zona da Cabala. Ligaram os telefones e pediram a intervenção dos amigos para que lhes providenciassem.

“Esses mais-velhos, dirigentes e comandantes, perderam completamente o juízo e já não sabem o que estão a fazer. Isso está muito perigoso”, concluiu Adolfo Campos.


Nova Manifestação Reprimida e Activistas




Rafael Marques de Morais,
MAKAANGOLA

Um punhado de activistas tentou manifestar-se no Largo da Independência sem sucesso.

O paradeiro de nove activistas, detidos ontem quando tentavam realizar uma manifestação em solidariedade aos 15 presos políticos, está a tornar-se num jogo do gato e do rato.
Abordado pelo Maka Angola, o comandante provincial de Luanda, comissário-chefe António Sita, começou por esclarecer que “não detivemos ninguém. [Os activistas] estavam a ser recolhidos e a ser direccionados para a casa do [activista] David Salei [no município de Viana]”.
Adão Bunga “MC Life”, Adolfo Campos, Agostinho Epalanga, Kika Delegado, Laurinda Tavares, Manuel José Afonso “Feridão”, Mário Faustino, Raúl Mandela e Valdemiro Piedade continuam incontactáveis desde a altura em que foram “recolhidos” pela Polícia Nacional no Largo da Independência.
O comandante Sita afirma que os activistas “querem criar um facto político. Estão a fazer um jogo sujo. Desligaram os telemóveis e estão escondidos no Quilómetro 30 [em Viana], em casa do Papo-Seco”. O comandante informou também que, para tirar a situação a limpo, já enviou uma patrulha policial “para vê-los”.
Ao todo, segundo o que o Maka Angola apurou, a Polícia Nacional deteve ontem – ou, nas palavras do comandante Sita, “recolheu” – 33 activistas e quatro jornalistas, que foram soltos passado algumas horas. Resta saber por onde andam nove dos libertados.
O Maka Angola apresenta aqui uma reconstituição do que se passou ontem.

A história repetiu-se. Uma tentativa de manifestação antigovernamental foi reprimida pela Polícia Nacional, enquanto outra, promovida pelo MPLA no Largo da Independência, mereceu a protecção das autoridades.
Assalto à casa de David
O primeiro acto conhecido de repressão da manifestação teve lugar em casa do activista de David Salei, na zona da Estalagem Km 14A, no município de Viana, a mais de dez quilómetros do Largo da Independência. Cerca de 15 jovens encontravam-se na referida residência a preparar cartazes de solidariedade para com os 15 prisioneiros políticos suspeitos de preparação de um golpe de Estado. A manifestação estava marcada para as 15h00, mas a essa hora já o Largo da Independência havia sido ocupado por uma contramanifestação do MPLA.
Perto das 14h00, uma coluna de quatro viaturas policiais, sob comando pessoal do comandante municipal da Polícia Nacional em Viana, Francisco Notícia, tomaram de assalto a residência e detiveram 11 activistas. Entre os detidos encontravam-se Emiliano Catumbela, Paulo Evangelista, José António Luís “Katró”, Laurindo Francisco Tomás “Tenaz”, Afonso Raúl, Baixa de Kassanje, Gildo dos Santos, Baptista, Joaquim Francisco Lugamba, Edgar Lapitia, Domingos Kandela.
“Eu consegui fugir porque estava lá fora a controlar o movimento. Vi os dois patrulheiros da polícia e dois carros brancos. Reconheci o comandante Notícia, mas não tivemos tempo de avisar os manos. Nós fomos traídos por um infiltrado no grupo, que denunciou a nossa posição”, disse Manuel José Afonso “Feridão”, de 25 anos.
“Nós fomos traídos”, vociferava Emiliano Catumbela após a sua libertação. O jovem manifestou estranheza pelo facto de David Salei, António Kissanda “Beimani Residentível” e Coronel Fuba se terem retirado da residência a tempo de escaparem à investida da polícia, por não terem dado conhecimento aos outros do seu paradeiro e por terem desligado os telefones.
“Os polícias não entraram pelo portão. Cercaram o quintal e saltaram o muro. Apontaram-nos as armas às cabeças. Tive de pedir ao comandante Notícias para que não nos torturassem. O Baixa de Kassanje já está muito mal de saúde com as pancadas da polícia”, afirmou Emiliano Catumbela. Ainda de acordo com o seu depoimento, o comandante Notícias assegurou a integridade física dos detidos. Os jovens foram então transportados até à 44ª Esquadra, no Km 9A, em Viana, onde estiveram sob custódia até às 19h00, tendo sido depois libertados.
Para além das detenções, os agentes policiais revistaram a residência de David Salei, à procura de provas de crime, assim como as casas de dois vizinhos, apenas por se encontrarem localizadas no mesmo quintal. O Maka Angola soube que os agentes policiais não exibiram quaisquer mandados de busca às residências.
Paulo Evangelista, um dos detidos, referiu que o comandante alegou ter recebido “ordens superiores” para detê-los, porque “nos preparávamos para realizar uma manifestação ilegal”.
Já na 44ª Esquadra, Paulo Evangelista sentiu alguma solidariedade por parte de agentes policiais. “Alguns disseram-nos em segredo que tinham ordens para nos maltratarem, mas que não o fariam porque têm os salários em atraso e que nós tínhamos o direito de reivindicar”, afirmou o interlocutor.
“No fim, o comandante Raúl Mandavela disse-nos que havia outras ‘ordens superiores’ para sermos libertados e pediu desculpas pelo inconveniente da nossa detenção”, acrescentou.
O mesmo activista denunciou ainda o facto de o comandante ter ordenado que quatro dos 11 detidos regressassem a casa em tronco nu, porque vestiam camisolas com “citações criminosas”. Trata-se de camisolas impressas com as inscrições “32 Anos é Muito”, alusivas às manifestações de 2011, quando o presidente celebrou 32 anos de poder, e “Zé Du Ditador Nojento”.  
“Estava frio e pedimos para virar as camisolas do avesso, para não circularmos em tronco nu, mas o comandante recusou. Perguntei-me se estávamos numa selva ou num Estado de direito”, lamentou Paulo Evangelista.
Em sua defesa e do grupo ora suspeito, Beimani Residentível disse ao Maka Angola que esse grupo restrito foi alertado sobre a existência de um infiltrado entre os activistas concentrados na residência de Salei. “Como cabeças da organização, decidimos fazer a retirada sem alarde ou denunciar o suspeito”, esclareceu.
Detidos na Unidade Operativa de Luanda
Pouco tempo depois, David Salei, Beimani Residentível e o Coronel Fuba encontravam-se já numa viatura policial quando o Maka Angola contactou o último por via telefónica.
“Fomos transportados para a Unidade Operativa de Luanda [da PN]”, explicou o Coronel Fuba.
Na referida unidade, segundo informação prestada por Beimani Residentível, o chefe da Direcção Principal de Contra-Inteligência Militar, do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM), tenente-general José Afonso Peres “Filó”, e o comandante provincial da Polícia Nacional em Luanda, comissário-chefe António Sita, conversaram com os três detidos numa sala, por meia hora.
“O tenente-general Filó apresentou-se dizendo que é o general conhecido como o ‘matador’, mas que é boa pessoa e estava ali a conversar connosco e não para mandar matar”, recordou Beimani.
De acordo com o interlocutor, o tenente-general Filó queria saber quem são os líderes das diferentes células do autodenominado Movimento Revolucionário, que congrega alguns grupos de manifestantes anti-regime. Beimani Residentível afirmou ainda que o general tinha particular interesse em saber sobre a liderança do grupo do Rocha Pinto.
“Eu disse que nós não tínhamos líderes, que desconhecia os líderes dos outros grupos. O general mostrou-nos fotos nossas de um encontro que mantivemos com o presidente da UNITA, Isaías Samakuva. Nesse encontro, só os dirigentes da UNITA tiraram fotografias”, informou.
Beimani Residentível revelou ainda que, durante a “conversa”, o tenente-general Filó atendeu uma chamada telefónica do chefe do SISM, general Zé Maria, a quem transmitiu abertamente que “a situação está sob controlo e só faltam dois”. O activista indicou Raúl Mandela como um dos dois manifestantes que a inteligência tinha todo o interesse em ver detido. “Pediram-me para telefonar ao Mandela para que ele viesse ao meu encontro para o prenderem, mas recusei. Ele acabou por ser detido à mesma.”
“Mesmo diante de nós, na cela, o general Filó dava ordens [por via telefónica] para a polícia bater nos manifestantes”, reiterou Beimani Residentível.
Por volta das 18h00, os detidos tiveram de ser transportados para a unidade policial junto ao Comando-Geral da PN. Como num livro de Kafka, o chefe de missão, desviou-se da rota, com os detidos na viatura, para recolher a sua filha, que terminara as aulas num colégio privado, junto ao Zé Pirão. “A filha [do chefe de missão], de 14 ou 15 anos, recusou-se a subir no Toyota-Land Cruiser, por ser um carro da polícia. O pai pediu-lhe então para aguardar por outro transporte, enquanto nos levava para o comando”, testemunhou um dos detidos.
Porrada frente à casa do Abel
No Largo da Independência, os efectivos policiais utilizaram a brigada canina para dispersar os manifestantes anti-regime. Líbano Albano, de 30 anos, foi um dos activistas que escaparam do largo, mas foi interceptado pela polícia a mais de um quilómetro, na zona do Alvalade. “Fui apanhado por volta das 16h30, frente à casa do Dr. Abel Chivukuvuku [presidente da CASA-CE]. Os polícias atacaram-me com porretes, pontapés e não me largavam mesmo quando sangrava”, disse Líbano Albano.
Segundo o activista, a polícia apenas cessou a pancadaria quando o líder da CASA-CE saiu da sua residência e interveio pessoalmente contra o acto de violência que testemunhava. “O Dr. Abel orientou ao motorista dele para que me levasse para o hospital, onde fui assistido e levei quatro pontos na cabeça. Graças à intervenção dele não fui detido e o pior não aconteceu.”
Jornalistas “ilegais”
Por volta das 18h00, dois agentes armados interceptaram o correspondente da Reuters, Herculano Coroado, no Largo das Heroínas, quando este caminhava para casa. Os agentes juntaram Herculano Coroado a mais três jornalistas da Rádio Despertar, Daniel  Portácio, Lacerda da Costa, detidos anteriormente no Largo da Independência, onde procediam à cobertura da tentativa de manifestação. Os jornalistas foram conduzidos para a esquadra da Madeira, no Bairro Cassequel, onde permaneceram retidos por duas horas, na companhia de sete activistas que tentaram participar da manifestação e de quatro transeuntes.
“A polícia reteve os telefones de todos os detidos para rever os conteúdos e apagar imagens da manifestação”, disse Herculano Coroado.
O jornalista anotou também a detenção de um funcionário do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural que, “ao passar pelo largo, de forma inocente, parou para ver o que se passava”.
Três turistas da província do Kuando-Kubango, que se encontravam em Luanda em visita a familiares, também tiveram azar. “Estavam a fazer selfies [fotografias] no largo sem saberem o que se passava e foram detidos”, contou Herculano Coroado.
“O comandante Pedro dos Santos, da 5ª Esquadra, apareceu no local, reconheceu os excessos da polícia, pediu desculpas aos jornalistas e transeuntes e ordenou a libertação imediata de todos os detidos por causa da manifestação”, afirmou o jornalista.

*Os nomes dos activistas então desaparecidos foram actualizados a posteriori.



O Direito Não Deve Ser Uma Anedota em Angola


Rui Verde, doutor em direito,
MAKAANGOLA

O activista José Gama foi interrogado sobre a sua alegada amizade a Rafael Marques.
Se visse um elefante amarelo a dançar na baía de Luanda não ficaria mais estupefacto do que quando li sobre as questões levantadas no recente interrogatório a José Gama feito pelo Ministério Público.
Aparentemente, nesse interrogatório, a investigadora estava interessada em saber detalhes sobre ligações ao Club-K e a Rafael Marques.
A questão é que a actividade do Ministério Público, como de qualquer órgão do Estado, está sujeita à lei e não depende do arbítrio do funcionário.
Se o Ministério Público estivesse a investigar algum crime eventualmente levado a cabo por Rafael Marques ou pelo Club-K, e José Gama fosse testemunha, teria sentido, no âmbito desse inquérito, fazer perguntas sobre ambas as entidades. Não correndo, aparentemente, o interrogatório nesse âmbito, não pode o Ministério Público fazer perguntas que extravasem o seu mandato.
A grande exigência que se deve fazer ao Estado é o cumprimento da lei, da lei que ele próprio aprovou. Quando o Estado aprova uma lei, essa lei não é para ser aplicada aos outros. A aplicação da lei começa no próprio Estado.
Tem-se assistido nos últimos tempos, em Angola, a uma desconsideração absoluta do Direito. Parece que as formulações legais apenas existem como bandeiras de boas intenções, e quando se trata de aplicar a lei… a sua existência é esquecida.
Por isso, este é o tempo do Direito. Os juristas devem empregar os meios legais para obrigar o sistema judicial a funcionar, obrigar o sistema judicial a tomar o partido da lei.
A grande revolução que pode ter lugar em Angola não é a dos jovens leitores de livros, é a da exigência da aplicação da lei.
O que traz o verdadeiro progresso a um país não é o preço do petróleo, mas o cumprimento de regras iguais para todos, do Estado de Direito.
Portanto, quando pessoas são presas sem mandado, quando pessoas são interrogadas fora do objecto do processo, quando os formalismos judiciais não são cumpridos, é a lei que deve ser invocada.
A constante exigência da aplicação correcta da lei levará à sua efectiva aplicação