domingo, 8 de março de 2015

Delinquência nos Governos Provinciais na Gestão do OGE





Rafael Marques de Morais
MAKAANGOLA

Muitas são as práticas rotineiras dos gestores públicos com vista ao saque desenfreado dos recursos do país. Algumas delas, sobretudo nos domínios da saúde e da educação, são escândalos de arrepiar, agora relatados pelo Tribunal de Contas.
Nesta edição, o Maka Angola traz a lume alguns dos actos delinquentes denunciados pelo Tribunal de Contas nas províncias da Huíla, Bengo, Huambo e Moxico.

Huíla: Hospitais-Fantasma e Outros Fenómenos
Os investimentos na saúde e na educação merecem sempre aprovação pública. Por isso, o governo provincial da Huíla orçamentou, em três anos seguidos, fundos para a construção de uma mesma pequena maternidade no município do Lubango, a um custo total de US$ 18.4 milhões, de acordo com o mapa de repetições relevado pelo tribunal. Qual brincadeira de malucos, com o mesmo esquema, os gestores provinciais reclamaram também acima de US $18 milhões para a construção de um hospital psiquiátrico. Noutra rubrica, levaram mais US $10 milhões para a construção de um centro de atendimento psiquiátrico, a que chamaram também de hospital.
Então, para melhor se explicar, o governo provincial dedicou também mais de US $3 milhões de dólares, à média de um por ano, para “divulgação, promoção e imagem do programa de governo” na Huíla.
A imagem governamental é mais bem projectada através de veículos. Vai daí, sem cabimentação no Orçamento Geral do Estado de 2013, o governo de João Marcelino Tyipinge gastou US $2.67 milhões na aquisição de 29 viaturas de marca Toyota. Apenas dez viaturas estão especificadas como sendo Prado TXL. Em média, cada viatura custou US $92,068 aos cofres do Estado. Para além dos Toyotas, o governo provincial precisou e adquiriu mais três viaturas ao custo de US $81 mil cada, perfazendo um total de US $243 mil. O tribunal não especificou a marca desses três veículos.

Bengo: Escolas, Construções e Outras Falcatruas
No Bengo, a construção da Escola Superior Pedagógica dos Dembos é bem ilustrativa da corrupção que se gera em torno dos abusos e desvios orçamentais. O Tribunal de Contas constatou que, para a referida empreitada, o governo do Bengo, a cargo de João Miranda, celebrou dois contratos no valor de 180.3 milhões de kwanzas (US $1.8 milhões) em 2012. Compulsado o Orçamento Geral do Estado de 2012, verifica-se que haviam sido orçamentados apenas 125 milhões para o efeito. Mas, no orçamento de 2013, as autoridades locais incluíram mais 720 milhões de kwanzas (US $7.2 milhões) para a mesma escola. Pela foto, trata-se de uma construção básica de algumas salas de aula. Segundo o Tribunal de Contas, esse último valor foi “liquidado a 100%, perfazendo uma diferença de 539.7 milhões de kwanzas não justificada documentalmente”. Ou seja, a escola serviu para o desvio do equivalente a mais de cinco milhões de dólares.
O Tribunal de Contas reporta também a construção, concluída e logo abandonada, de um centro de saúde no município do Dande, mesmo a 300 metros do hospital local.
Noutro exemplo, cita a construção do bloco operatório do Hospital Municipal de Pango Aluquém. Parece mentira, mas não é: o referido bloco “não tem via de acesso para macas, uma vez que se encontra fisicamente separado da estrutura do hospital”, confirma o Tribunal de Contas, anexando uma foto da obra.
Todos esses esquemas requerem muitos estudos. Para o efeito, o Gabinete de Estudos e Projectos do governo provincial do Bengo gastou acima de US $2.85 milhões em estudos aparentemente inexistentes. “Não foram apresentados os referidos estudos”, lamenta o Tribunal.
Há duas outras grandes falcatruas por conta do governo provincial ao nível da sua administração e da polícia. Desde 2011, o governo de João Miranda gastou mais de US $6.5 milhões na construção e apetrechamento de instalações das direcções provinciais e órgãos no município do Dande. No terreno, em Novembro de 2014, o Tribunal de Contas constatou apenas a existência de fundações, mas a verba foi liquidada a “99.6%”. O tribunal anexou a foto ao relatório, para o caso de haver dúvidas.
Mas é com a Unidade de Protecção de Individualidades Protocolares (UPIP) que os dirigentes do Bengo demonstram a sua classe em falta de vergonha. Em 2011, o governo provincial gastou os 50 milhões de kwanzas orçamentados para a construção da unidade da UPIP no Bengo. Em 2012 incluiu mais 30 milhões de kwanzas no orçamento para a mesma obra, que foi inaugurada em Julho desse mesmo ano. Mas, com o mesmo projecto, em 2013 os governantes locais foram buscar o equivalente a mais de US $2.5 milhões aos cofres do Estado. Segundo o TC, em 2013 “não houve execução de qualquer natureza”, porque a unidade já havia sido inaugurada.

Huambo e Moxico: Contratos e Atropelos da Lei
Todavia, é no Huambo que o Tribunal de Contas melhor compreende a sua falta de autoridade e a sua existência simbólica.
Por Acórdão (n.º 2 de 24 de Janeiro de 2012), o TC recusou o visto para a execução da obra de construção do Centro Cultural do Huambo. Em 2011, o então Ministério do Urbanismo e da Construção havia alocado 385.3 milhões de kwanzas (US $4 milhões) para a obra.
Não obstante o chumbo do tribunal, os gestores celebraram dois contratos diferentes para o mesmo projecto, “nos montantes de Kz 488.4 milhões e Kz 491.4 milhões, respectivamente, sem que fossem submetidos ao visto prévio do TC”. Assim, os gestores deram o destino que bem entenderam a um total de mais de US $13 milhões.
Por sua vez, o governo de Kundi Paihama, no Huambo, também ignorou a legislação em vigor bem como o Tribunal de Contas, e executou contratos equivalentes a mais de US $28 milhões, sem o visto prévio desta instituição.
No Moxico, o TC notou o facto de a empresa Delka Corporation, Lda ter celebrado um contrato de 166.5 milhões de kwanzas para a construção de uma escola no Luena, a capital da província. No terreno, o TC verificou que a empresa recebeu 62 por cento do valor do contrato mas não moveu uma palha.

Recomendações e Responsabilidades
Para estancar os abusos, o TC recomenda que os gestores públicos “evitem a recondução de projectos já concluídos, bem como o pagamento de obras inexistentes (UO [Unidade Orçamental] e MINFIN [Ministério das Finanças])”.
O tribunal pede também que os gestores cumpram “com os dispositivos dos diplomas legais em vigor no que tange ao envio dos contratos para a fiscalização prévia do TC”.
Segundo um jurista contactado pelo Maka Angola e que prefere o anonimato, a responsabilidade principal deve ser assacada ao chefe do executivo, que tem a responsabilidade de orientar e supervisionar, em primeira instância, os actos do seu governo. Adianta que cabe ao chefe do executivo mandatar o Conselho de Ministros para “remeter os relatórios de execução ao TC para a sua fiscalização, para o cumprimento rigoroso das normas de execução do diploma do orçamento”.
“O TC não se pode queixar agora”, afirma o jurista. O interlocutor realça ainda o facto de se ter esvaziado o papel do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE), que “tem grande responsabilidade nisso e certamente tem em posse muita informação deste tipo de fraude financeira”.
Estes casos demonstram que, em Angola, as leis não passam de instrumentos de legitimação política e de uma fachada. Quando se trata de roubar os cofres do Estado e os recursos públicos, não há lei que resista ao compadrio e à solidariedade entre os detentores do poder.

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