segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Grande entrevista. Angelo Kapwatcha. Folha 8





Hoje, Grande Entrevista atravessou metade do país, para desembarcar no Huambo e encontrar um cidadão, que para muitos pode parecer anónimo, mas é um intelectual a muito ligado as causas da liberdade e democracia, no sul do país. Com intervenção civíca acutilante, Angelo Kapwatcha, activista dos Direitos Humanos e Presidente do FORDU-Fórum Universitário, palmilha o território, busca respostas e quando não as obtém não desiste, continua a luta, contorna obstáculo e vai dizendo, que só lutando se chega lá. Por esta razão, acredita que Angola pode mudar, mudando a estrutura de um regime, que a si mesmo deixou de se respeitar


Folha 8 – O MPLA, quer revisão orça­mental ago­ra, o que lhe parece, neta altura? Posi­tivo ou negativo?
Angelo Kapwacha - Co­meçaria por dizer que nos interessa saber não só a re­visão do OGE mas sobre­tudo como a verba vai ser gasta e quem vai gastá-la como e onde! E se quem vai implementar o OGE (o Executivo) terá mudado de atitude, comportamento e prática. Quanto ao MPLA é um Partido incoerente com os valores da demo­cracia e transparência por defeito governativo. Essa incoerência é também ca­racterística emprestada ao Governo e por contágio ao Estado Angolano.
F8 – Como assim?
AK - Remontando ao pas­sado recente, os grandes slogans que deram co­bertura propagandística ao MPLA nas eleições de 2008 e 2012 foram “a construção de 1 milhão de casas” que no fim se dis­tanciou tanto da realidade quanto o céu da terra. Em 2012 não poderia ser mais eloquente o “PRODUZIR MAIS PARA DISTRIBUIR MELHOR”. Em todas as posições que toma so­bretudo em dois sectores justapostos: Economia e Política, tem se caracte­rizado pela incoerência e desvalorização do consen­so moral, sobretudo quan­do a nobreza de opinião e ponto de vista provierem dos adversários políticos. O nosso OGE possui um “currículo manifesto” e um “currículo oculto”.
F8 – O que quer dizer com manifesto e oculto?
AK - Geralmente o que se lança no OGE não se destina aos projectos ma­nifestamente defendidos, embora nos últimos 5 anos a tendência do OGE seja subir, tanto que em 2015 a previsão seria quase gigan­tesca, mas na prática os OGE não estão alicerçados na transparência, por isso, findo o ano económico, não existe uma clara ava­liação do desempenho e aplicação das verbas do OGE do ponto de visto do quadro esperado e do quadro alcançado, tudo na perspectiva de progresso humano. A revisão de que o MPLA concorda que se faça, esperamos que não seja para fragilizar ainda mais as rubricas sociais e agigantar as rubricas de segurança e exércitos em tempo de paz. O mesmo se diz de alocar somas avultadas em sectores su­pérfluos e cosméticos no lugar de agricultura, pesca, turismo, educação, saúde e previdência social.
F8 – Acredita que se hou­ver fracas receitas, for­tes consequências tere­mos na máquina estatal, logo se impõe a rectifica­ção?
AK - O nosso nível de re­ceitas públicas e, conse­quentemente, a capacida­de de financiar despesas sem recorrer ao endivida­mento externo, é determi­nado pelo preço do petró­leo, além, naturalmente, dos níveis de produção. Assim, o OGE de 2013, 2014 e obviamente 2015 foram elaborados numa cotação média de 96 USD por barril de petróleo. Essa queda brusca leva aos cor­tes em percentagem acima de 20% das despesas que podem paralisar a econo­mia. Não é demais reafir­mar que o OGE é, ou deve ser, o principal instrumen­to para dar corpo às políti­cas públicas que traduzem o Programa de Governo do partido que “ganhou” as eleições em 2012. Por isso, o escrutínio público, o debate em torno das op­ções – explícitas ou não – do OGE e a advocacia em defesa de opções que pro­movam a justiça distribu­tiva e social, a redução da pobreza são fundamentais para o almejado progres­so social, capaz de dotar o país com meios de vidas sustentáveis. É importante reiterar como o fizemos há instantes, que o grande slogan que deu cobertura a tal programa foi “Crescer mais para distribuir me­lhor”, competindo agora à sociedade fazer o acompa­nhamento do cumprimen­to da promessa.
F8 – Então não acredita em efeitos positivos com a rectificação?
AK - A revisão em si, não é um valor acrescentado, de­pende muito das rubricas revisadas e sua relevância na máquina estatal. Seja como for, o efeito imediato é a alteração de contratos já firmados no âmbito dos investimentos públicos, adiando os compromissos governativos, por conse­guinte alterando os pro­gramas, planos e promes­sas. Dificultará igualmente a execução do orçamento dentro dos prazos e tempo útil, levando a atrasos ou cancelamento de obras de vultos como escolas e vias de acesso. Para mais: exis­te consequências a vários níveis e do início do ano para diante, porque de for­ma sistémica isto tem efei­to bomerangue: para em­presários a diminuição dos trabalhadores trazendo desempregos; para o povo, não receberá os serviços desejados do Estado em tempo útil. Para a econo­mia, registará uma regres­são produtiva que poderá igualmente agravar o defi­cit social. Para os humanos de Angola registar-se-á a mobilidade social estacio­nária e descente o que im­pede o progresso humano. A longo prazo este quadro trará uma pobreza socioe­conómica generalizada.
F8 - O executivo de Eduardo dos Santos po­deria evitar esta decala­ge?
AK - O Executivo de José Eduardo dos Santos, pode­ria evitar situação seme­lhante se fosse proactivo na sua governação. Mas infelizmente em todos os aspectos com pior senti­do na economia, o execu­tivo de José Eduardo dos Santos é reactivo: reage quando a situação já está na fase de emergência “é o governo-bombeiro” que tenta desesperadamente apagar um fogo já ateado na seara. Agravado com o facto de a libertinagem, a falta de probidade, a fal­ta de transparência, o es­banjamento baseado em consumismo desenfreado e muitas vezes desneces­sário, os gastos de avul­tadas somas monetárias com bens supérfluos e de luxo são a característica da nobreza eduardista. Assim não se pode contar com muito êxito num Executi­vo de gravíssima indisci­plina económica: o BESA e o BNA têm casos ilícitos recentes e sucessivos para nutrir o exemplo.
F8 - Que reflexos haverá na economia nacional, mais concretamente, na restan­te máquina produtiva?
AK - Um exercício inevitá­vel mas dramático é anali­sar as contas públicas sem petróleo. A economia na­cional está quase ancorada na mono-produção do pe­tróleo, evidentemente que o “boom dourado” do cru­de, num passado recente, não fora suficientemente aproveitado e por conse­guinte não financiará, na prática os bens-substitutos de sectores alternativos como a tão propalada di­versificação da economia, pelo contrário, nutrirá a prepotência política, de­molindo as instituições democráticas.
F8 – Então está descren­te?
AK – Sim! A governação económica de Angola ga­nhou ócio e relaxamen­to por isso, mais de 70% das receitas provenientes da indústria extrativa so­bretudo o combustível, conhecerão abalo signifi­cativo. Para um Governo que não valoriza o prima­do da lei e também não é criativo, então auguramos que a máquina produtiva poderá conhecer alguma depressão. Para um País caracterizado pelas assi­metrias sociais, exclusão e regionalismo existirá tendência de desequilibrar ainda mais o OGE entre as províncias sobretudo pe­nalizando as do interior de Angola.
F8 – De que forma?
AK - Angola é dos países produtores de petróleo que está mais desprepara­do para enfrentar a queda, quer nos preços, quer nas reservas exploratórias em si. Mas a economia sempre apresentou imprevisibili­dade e por isso a precau­ção e a prevenção sempre noutros lugares se baseou na diversificação/plura­lismo produtivo e menos paternalismo económico excessivamente agarrado ao combustível estatizado. A rigor nós não temos um sector privado desgarra­do do Estado, no mesmo condão não temos empre­sários de sucesso que não sejam membros seniores do poder executivo e seus parentes próximos por isso tudo o que abala o Estado e estremece a má­quina política por efeito de contágio desestrutura a economia.
F8 - Os produtos produ­zidos em Angola, ficarão mais caros, com a subida do preço do crude?
AK - A subida do preço do crude em si não afetaria os produtos produzidos em Angola. Mas economica­mente falando se trata de um custo externo que irá afectar as pessoas que não estão directamente liga­das, mas dependem de for­ma significativa. Todavia a experiência ensina-nos que os princípios de esco­lha racional nos mercados formais de bens e servi­ços devem estar sempre ancorados nos cálculos de Custos/Benefícios. A subida do crude no mer­cado nacional formal re­presenta custos para o cidadão e como medida defensiva, este cidadão eventualmente alterará os preços dos produtos que dele dependem, sobretu­do no mercado informal que mais vidas humanas suporta, referindo-nos aos custos de táxi e dos produtos de campo prin­cipalmente os cereais, os leguminosos, as frutas, os de origem animal e o ma­risco. Receamos a inflação galopante, pois há indícios bastantes. O kwanza apre­senta uma debilidade cres­cente face ao dólar. Um Es­tado que não produz como é o caso de Angola mas consome dependendo das importações, obviamente que tem uma dependên­cia directa às moedas dos países fornecedores de bens e serviços, logo, sem capacidade e valor agre­gado para controlar a sua inflação através do preço de equilíbrio. Esse preço de equilíbrio em Angola só seria feito por via petróleo e kwanzas. Ora, a econo­mia das famílias, tal como a dinâmica do sector mi­croeconómico de Angola surgiu como resposta à ineficácia e ineficiência das políticas macroeco­nómicas do Estado patri­monialista. A dinâmica da economia da maioria das famílias angolanas não está condicionada pelas políticas macroeconómi­cas do Estado. Assim, face a esta situação, o povo irá refugiar-se no seu habi­tual mercado informal e entranhar-se na cena cam­pestre. O Estado deverá no lugar de reprimir ou per­turbar os pequenos e mé­dios camponeses e vende­dores informais encontrar políticas organizadoras e incentivadoras dessas di­nâmicas que são a âncora que sustenta as mudanças bruscas na economia polí­tica do Estado.
F8 - Que relevância po­lítica terá o parlamento, que não fiscaliza, estan­do a ser chamado para esta situação de rectifi­cação?
AK - Realçando a carac­terística libertina e opaca da gestão do Executi­vo Eduardino podemos exemplificar o caso SO­NANGOL. Na altura de ameaça económica ge­ral decorrente da baixa de preço do petróleo no mercado internacional o povo angolano poderia olhar para as poupanças acumuladas e a dinâmica de investimento a curto prazo para gerar liquidez alternativa. Tal como o fa­moso Fundo Soberano do petróleo. Ora a SONAN­GOL que é o eixo central da gestão da indústria pe­trolífera, que ganha bónus das corporações transna­cionais que ao longo de quase 40 anos da Indepen­dência tem explorado o petróleo, vende o combus­tível e ainda estende seus interesses em outros sec­tores sobretudo a banca e o imobiliário comprando acções. Essa mesma SO­NANGOL quer nos níveis estratégicos e táctico quer no nível operacional não se subordina claramente ao Ministério das Finanças nem ao Ministério dos Pe­tróleos, mas ao Presidente da República.
F8 – Não concorda com este quadro?
AK – Não! Porque o con­flito de interesses é a sua marca quase permanente o que dificulta a cobrança de responsabilidade num momento como este. As instituições políticas que deveriam servir de peso e contrapeso no sector industrial, sobretudo ao petróleo são inexisten­tes ou fracas. Falo do Ju­diciário que não possui independência política e funcional, dos órgãos da administração pública, onde os exemplos são fla­grantes de promiscuidade, onde desponta o BNA e a banca comercial/pública, onde os crónicos e suces­sivos roubos confirmam para além de várias quei­xas apresentadas por ac­tivistas contra figuras do Estado, isso não conheceu qualquer andamento no sistema de Justiça.
F8 – Então não acredita no sistema de justiça, nem noutros sectores?
AK - Os sectores que deve­riam zelar pela implemen­tação do primado da lei, respondem directamente ao Presidente da Repúbli­ca, tais como a Procura­doria Geral da República, o Provedor da Justiça e outras estruturas superio­res da justiça e não têm relatórios e documentos essenciais publicados, que sirvam de recurso e refle­xão positiva.
F8 – Mas temos a Assem­bleia Nacional...
AK – Deveríamos ter o Parlamento, infelizmente, não o temos, muito pela bancada maioritária, que é uma força de bloqueio... Ora o nosso Parlamento é “parlamento de partidos” e não é “parlamento de deputados”. O mandatário directo do deputado em Angola é o Partido através da conversão de votos em mandatos. O povo surge como interlocutor directo do partido em que votou e cujo critério de selec­ção de deputados não fora sufragada directamente por ele. O caminho como foi formada a Assembleia Nacional, determina o seu funcionamento e no nosso caso, os grupos parlamen­tares respondem directa­mente aos líderes dos par­tidos. As visitas de campo que efectuam não produ­zem nem opinião pública relevante nem relatórios com validade interna ou externa para se redefinir rumos. Mais, o parlamento angolano não tem acesso as informações essenciais estando muitas vezes fe­chado na produção de leis que não são aplicadas.
F8 – Como assim?
AK - A título meramente exemplificativo o nosso Parlamento produziu leis como a Lei nº20/10 de 7 de Setembro (Lei de Contra­tação Pública Angolana), a Lei nº3/10 de 29 de Março (Lei de Probidade Pública); a Lei nº34/11 de 12 de De­zembro (Lei do Combate ao Branqueamento de Ca­pitais); a Lei nº6/99 de 6 de Agosto (Lei das Infracções contra a Economia Ango­lana); a lei nº5/05 de 29 de Julho (Lei do Sistema de Pagamentos de Angola); a Lei nº13/5 de 30 de Setem­bro (Lei das Instituições Financeiras de Angola), essas leis se fossem apli­cadas à letra e no espírito haveria impacto e resulta­dos positivos na manuten­ção dos fundos públicos. Pelo contrário, a sua não aplicação tem sido a auto­-estrada para os descami­nhos, a promiscuidade e as ilicitudes económicas que empobrecem o Estado.
F8 – Mas não podemos criticar só a bancada par­lamentar, temos também as bancadas da oposição que poderiam actuar mais. Não acha?
AK – É verdade que os grupos parlamentares dos Partidos da Oposição, por inerência da sua luta políti­ca, são os que têm vontade política de fiscalizar os ac­tos governativos, mas esta função deveras, nuclear fora removida do ficheiro da Assembleia Nacional graças a manha e habilida­de do grupo parlamentar do MPLA que como “pla­ca de chumbo” se estende com a sua maioria esmaga­dora por cima dos interes­ses da Nação. Seja como for, os parlamentares da oposição, que têm sentido de Estado, devem unir si­nergias com a Sociedade Civil engajada na transpa­rência e defesa de direitos humanos no sentido de se intensificar a luta aprovei­tando todas as oportuni­dades disponíveis quer no espaço interno quer no espaço internacional para denuncia, advocacia, recla­mações incluindo, fazendo uso dos mecanismos da ONU e da OUA em seus debates periódicos de ava­liação dos Estados - mem­bros na implementação dos direitos económicos, sociais e culturais sobre­tudo…
F8 – O MPLA com esta acção mostra sentido de Estado ou trata os depu­tados como uma espécie insignificante?
AK - O MPLA desde a sua história ligada ao poder político construiu uma so­ciedade angolana assente no patrimonialismo enten­dido como a apropriação indevida e distribuição dos recursos públicos com ob­jectivo de assegurar a sua permanência no poder e por esta via comprar a le­gitimidade governativa à dinheiro. É o dinheiro que produziu a hegemonia po­lítica do MPLA, permitin­do o controlo interno e a cooptação dos potenciais rivais. Mesmo a máquina de fraudes eleitorais só são sustentadas graças ao con­trolo da economia. Sendo assim, não seria demais dizer que no MPLA não se reflecte qualquer sentido de Estado, pelo contrario trata-se de um partido que só conhece a liberdade quando se trata com todos os custos de algemar a so­berania popular e privati­zar o conceito de Estado.
F8- Na sua lógica, ainda estamos sob a batuta do partido/Estado?
AK- Sem dúvidas e mar­gem para dúvidas. Até um cego vê. Este Partido­-Único numa encenação de multipartidarismo, apa­rece como a figura central de gestão da coisa pública e afectação imperativa de valores e distribuindo car­gos e funções governativas aos seus fieis acólitos, fra­gilizando o Estado quase exíguo. Uma complexa estrutura militar e policial, com colete partidário, nas vestes de órgão aparti­dário do Estado, onde os seus altos oficiais, estão cercados de todos os pri­vilégios sociais e materiais que resulta num despotis­mo que anula a República e principalmente o Estado de Direito. É por isso que o MPLA nunca entenderá as fronteiras entre Estado­-Governo-Partido porque nas suas práticas o MPLA continua Partido-Estado sendo por isso, adverso a destruir o principio de se­paração de poder e desva­lorização da prestação de contas (accauntability). Os comités de especialidade, o privilegio económico­-empresarial dada aos filhos do Presidente in­cluindo a Gestão do Fundo Soberano de Petróleo bem como a riqueza detida por altas patentes militares re­vela não só o patrimonia­lismo presidencial como também o MPLA definido como Instrumento Mate­rial de ganhar dinheiro e distribuir favores econó­micos aos seus fiéis. Este deve ser um dos mais gra­ves travões ao progresso e dis­tribuição equitati­va da renda nacional. É nesta reflexão o lugar onde podemos interpretar o “cartão de militante do MPLA” para aceder a car­gos de chefia nas institui­ções que seriam públicas por definição mas acabam sendo partidárias por im­plementação.
F8 – Com todo este qua­dro, haverá reflexos dra­máticos nos organismos sociais?
AK - A educação, a primei­ra infância, a adolescência, a juventude, os idosos, a habitação, a saúde, a segu­rança pública, os transpor­tes colectivos, a justiça, o sector da Mulher, seriam entre outros a nosso ver os sectores sociais mais exi­gentes ao Estado e de facto o Orçamento-Cidadão que o Ministério das Finanças produziu no ano passado que nada mais do que di­vulgar ao cidadão o Plano Nacional de Desenvolvi­mento PND-2017 como fase propedêutica ao pla­no de Desenvolvimento Angola-2025 seriam os pilares para o progresso social desde que privile­giada a busca de qualida­de. Esses sectores poderão ser afetados com os cortes que podem vir a ser feitas ou já sejam efetuados no OGE revisado e exigira a alteração das estratégias, tácticas e operações. Se o reflexo for dramático con­forme a pergunta eviden­temente isto produzir a mobilidade social des­cendente para as clas­ses baixas e a mobilidade social estacionária para as clas­ses altas, mas com manha e habilidades da classe alta estes não serão afectados, já que do sector social não recebem nada de Angola por não usarem educação e saúde de Angola mas sim do estrangeiro. O povo é o único que fica com a pior coisa no meio de tudo isto.
F8 – O povo vai ver a sua vida piorar, com a alta da inflação?
AK - Neste momento está generalizado o receio de que se a situação econó­mica piorar, os salários da Função Pública podem vir a sofrer algum reflexo ne­gativo. Mesmo que nomi­nalmente se mantiverem em posições estáveis essa estabilidade salarial só o será à medida que se tra­duza em cabazes compa­tíveis com o nível de vida de seus titulares. Mas, na realidade, deparar-se-ão com um mercado de pro­dutos básicos caros e que para compatibilizar o sala­rio nominal com o salário real (capacidade aquisiti­va) para suprir as neces­sidades da família, o Es­tado ao invés de produzir dinheiro com económica que seria dinâmica, poderá eventualmente imprimir o dinheiro e despejar nos bolsos dos cidadãos, cuja consequência imediata será a inflação galopante e a subida vertiginosa dos preços dos cabazes bási­cos tais como alimentação, vestuário, comunicações, transporte, educação, saú­de e higiene, lazer, etc já que haverá maior procu­ra desses bens sem oferta disponível. Não haverá equilíbrio de mercado.
F8 – O que acha pessoal­mente, sobre toda esta forma de gestão da má­quina do Estado?
AK - Evidentemente, te­mos um descalabro gover­nativo pior que do tempo colonial. Aliás, o tempo colonial deixa nostalgia aos adultos que lá tiveram o privilégio de viver. O MPLA é um Partido-Esta­do-Governo que aprecia culpabilizar as vítimas da sua má e mal governação. Quase, 40 anos de gestão colossalmente negativa, o MPLA culpa o colono e culpa as potências euro­peias e americanas pela ac­tual desgraça do povo an­golano. A gestão do MPLA e concomitantemente do governo angolano procu­ram a explicação da pobre­za na natureza do pobre e nunca na ineficácia e inefi­ciência da sua governação; para daí se desresponsa­bilizar de garantias funda­mentais. Isto está patente nas palavras do próprio presidente quando dizia: “…quando nasci, já havia pobreza em Angola”. Parti­mos do princípio de que o MPLA está há mais tempo no Poder e esgotou todas as alternativas felizes de gestão. Aos seus líderes e sequazes próximos não há nenhuma ilicitude de que não tenham sido acusados. Não têm mais nada a tra­zer para a “festa” senão a retórica de “papo furado”. Dissemos atrás que a go­vernação do MPLA usa a economia e a sua desigual estrutura como o “com­bustível” para a sua má­quina política andar, sem a economia baseada no patrimonialismo, no clien­telismo e no nepotismo o MPLA não se arrogaria a governar porque lhe fal­ta discrição, probidade e sobretudo o, já referido, sentido de Estado. Esses atributos de per si negati­vos são nutridos pela en­demia da corrupção, que também o MPLA criou no País, como o sector mais dramático que faz com que não seja possível a im­plementação do primado da lei consequentemente do Estado de Direito. A longo prazo esta gestão es­cravizante trará conflitos em proporções menores ou maiores a depender dos actores envolvidos. Num Estado de Direito e num Governo responsá­vel as leis seriam usadas para limitar os abusos do próprio Estado e orientar o cidadão aos valores da honra, da probidade, das liberdades, da promoção da grandeza desse País e na cuidadosa preparação das futuras lideranças que sairiam das arenas onde num sentido de pluralismo democrático iriam pleitear e fazer valer suas deman­das. Não se sonha assim, num Estado cuja gestão está acorrentada ao nepo­tismo e patrimonialismo, com única linha sucessiva de privilégios cuja balança é o Partido. Felizmente, a política oferece instru­mentos que uma vez bem aproveitados e postos em marcha podem de forma paradigmática inverter o quadro; basta que o povo tome mais consciência de seu espaço e cobice sua soberania e diga Bas­ta…!: existem actualmente exemplos que podem ser instrutivos para o futuro…
F8 – A vida do povo, mais pobre vai ser afectada drasticamente?
AK - Geralmente, as popu­lações mais pobres a sua vida está ligada ao campo, produzindo na cena cam­pestre meios de subsis­tência. Essas pessoas não possuem cultura de ren­dimentos para escoar aos mercado mais rentável. O programa do Governo “Papagro” é novo e ainda não produziu impacto e resultados objetivamen­te verificáveis. Não pos­suem produção agrícola de comercialização que lhes liguem a uma grande dependência as mudanças macroeconómicas, por isso as suas vidas pode­rão ter efeito estacionário em certos bens e serviços como educação e saúde. Noutros campos não po­derão estar afetados, uma vez que nunca beneficia­ram directa ou indirecta­mente dos frutos de eco­nomia próspera do Estado. Tal deve-se ao facto de que a “PRODUZIR MAIS E DISTRIBUIR MELHOR” nunca teve respaldo na vida dos camponeses de subsistência. O MPLA tem produzido muito e distri­buído melhor; só que, ele produz e distribui para a mesma meia-dúzia de gen­te privilegiada. Onde não haja justiça distributiva, o povo se sente desgover­nado e não conhecendo os benefícios da governa­ção, grandes mudanças na esfera económica tra­zem consequências muito indiretas nas suas vidas que no geral não se aper­cebem, no todo. É por isso que se deve incentivar as populações mais pobres a aproximarem-se da agri­cultura de rendimento e comércio igualmente ren­tável ao seu nível, porque dessa forma consegue responder à demanda, nos momentos mais alarman­tes como estes.
Em algumas franjas da po­pulação, a pobreza ficou tão cristalizada que criou a cultura de sobrevivência. Eles não têm a consciência clara de que foram empo­brecidos pela desigual es­trutura de poder económi­co do Estado, que lhes tem deixado uma cadeia suces­siva de estagnação econó­mica. Em suma, graças ao subliminar programa de exclusão socioeconómica do Governo que sente a sua autoridade política e poder hegemónico amea­çados quando o povo luta, por esforço próprio, para ficar rico e aí inventa-se estratagemas para travar o progresso do povo.
F8 – Então os campone­ses e as zonas rurais es­tão abandonados?
AK - As zonas rurais es­tão numa situação pior: Mas, felizmente os luta­dores das zonas rurais desconstroem e desafiam a noção de que seja uma população moribunda. O seu sofrimento tornou-se no agente motivacional, na seiva catalisadora para a luta em busca de novos “amanhãs que cantam”. Através dos mecanismos de sobrevivência, luta de sorte e esforço meritório, desafiam o seu voto mar­ginal e sua cultura de em­pobrecimento exógeno e passa a mensagem de que embora debilitado, venci­do, humilhado, vergastado, cabisbaixo não é um povo acabado mas sim peregri­no em busca de um novo amanhecer. E diz: “pare­cendo incrível mas lá vem o sol”.
F8 - Acredita que o au­mento do preço dos com­bustíveis vão conseguir equilibrar as contas do Estado?
AK - NÃO! Porque não se trata de um aumento nem significativo nem resul­tante de equilíbrio entre custo-benefício. Pelo con­trário, se trata de custos externos tal como o refe­rimos atrás. Num Estado patrimonialista sem pro­bidade nem transparência não é possível confiar nos relatórios de contas do Es­tado. Assim, não estamos convencidos sobretudo confiantes de que a subi­da do petróleo tenha sido motivada pelo interesse de equilibrar as contas do Estado. Obviamente, que a descida vertiginosa do pe­tróleo complica as contas de um País como Angola de que o seu BIP dependa acima de 60% desse pro­duto. A descida do petró­leo não é recente, houve uma queda histórica nos anos 70 do preço do petró­leo. Todavia, essa queda do passado tinha motivos económicos e a actual sus­peita-se que seja fruto de eficácia de alguma política das potências consumido­ras do crude tal como os EUA e China, bem como outras conjunturais con­textuais sobretudo a situa­ção económica da União Europeia, os interesses da Arabia Saudita nas di­nâmicas do petróleo. Os biocombustíveis, a energia solar e energia eólica bem como outras energias lim­pas têm produzido suces­so e se esforçam a todo o custo perseguir o crude até ao mais baixo custo possí­vel, essa situação pode ser favorecido pelos desacor­dos no controlo quer de preços quer dos níveis de produção de petróleo a ní­vel da OPEP. Assim, a des­cida do preço do petróleo sugere como uma descida com tendência contínua. Esta linha é dramática para Angola por um lado, mas também pode ser oportu­nidade por outro se o Es­tado quiser equilibrar as suas Contas: o Estado não consegue equilíbrio com a subida interna do pre­ço do petróleo. O Estado não pode punir o País e o Povo como retaliação e vingança ao baixo preço internacional do crude, mas adquirir experiência e inteligência produtiva para criar bens e serviços subs­titutos para enfrentar estas alturas de desequilíbrio de mercado, face a um só pro­duto. É preciso diversificar a economia, com o con­curso de todos, pondo em marcha outros serviços e bens que gerem liquidez a curto, médio e longo prazo que Angola tem em abun­dância.
F8 - Qual a receita que apresentaria, neste mo­mento, para uma melhor gestão da coisa pública?
AK - A princípio fora de uma miopia de Estado co­locaria a economia menos vulnerável a economia ex­terna, agrilhoada pelo pre­ço internacional de venda do petróleo. O sector ter­ciário tal como turismo, serviços, telecomunica­ções, banca, investigação cientifica nunca foram potencializados pelo Esta­do para gerar liquidez, se­-lo-iam. O sector primário como agricultura e outros recursos minerais como o ferro, o ouro, o manga­nês, o mármore, etc nunca foram explorados em An­gola, impondo-se uma sé­ria aposta, com projectos médios. O sector primário nunca teve uma ligação directa com o sector in­dustrial secundário assim com um mar e rios ricos em peixe ainda Angola importa peixe. Com solos ricos e aráveis Angola im­porta bens alimentares bá­sicos como frutas. A des­cida do preço do petróleo poderá, neste ponto de vis­ta, ser uma soberana opor­tunidade para se diversifi­car a economia e produzir inteligência suficiente para o Estado secundarizar o petróleo e voltar-se para a economia mais progres­sista que seja aquela que mais riqueza gera e mais emprego proporciona. E tal não é o petróleo mas sim com uma indústria diversificada e alimentada pela agricultura dinâmica e de rendimento, pescas, turismo, serviços incluin­do transportes podem sim, ser as receitas mais adequadas. Mas essa dinâ­mica não poderá ser reali­dade se ainda não houver uma ligação directa entre a economia e a política. Vol­tando ao estado patrimo­nialista que é Angola não podemos ansiar progresso quando os escândalos fi­nanceiros como aquele do Banco Espírito Santo con­tinuarem a fazer carreira, ali onde o MPLA distribui favores milionários a seus membros endossados na corrupção levando a falên­cia bancos com emprés­timos perdidos. Significa que faltando o primado da lei não se pode fazer muito na economia.

FOLHA8. Edição 1223 de 07 DE FEVEREIRO DE 2015

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