terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Fundos petrolíferos e crise dos preços do petróleo. Alves Rocha





O comportamento do preço do petróleo até ao final desta segunda década do século XXI continua a ser uma das mais importantes variáveis para a programação do crescimento das economias dependentes da exploração deste recurso natural, determinando constantes ajustamentos para baixo nas taxas de variação do PIB.

http://expansao.co.ao/Artigo/Geral/52898

Daí que valha a pena reflectir, mais uma vez, sobre a importância dos fundos petrolíferos no seu posicionamento enquanto instrumento de gestão financeira do Estado, tendente a diminuir as oscilações nas despesas públicas e manter, assim, o seu apoio ao crescimento económico e meio de resguardar e garantir os direitos de propriedade e de rendimento das gerações futuras.
O sucesso dos oil funds promovidos pela Noruega e pelo Alasca têm levado alguns economistas e agências internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, a defenderem a sua utilização generalizada em todos os países em que a exploração de recursos naturais não renováveis tenha uma expressão significativa.
Por isso mesmo, um número crescente de países produtores de petróleo tem vindo, desde finais dos anos 1990, a criar oil funds de forma a superarem alguns problemas suscitados pela exploração petrolífera.
Mas, afinal de contas, quais são os fenómenos económicos, típicos de países produtores de petróleo, que podem ser minimizados através da criação de oil funds? Sem procurar ser exaustivo, destacaria os seguintes:
As consequências da volatilidade dos preços do petróleo sobre a evolução das variáveis macroeconómicas e os seus efeitos perversos sobre os comportamentos das empresas e consumidores.
Os reflexos, no padrão de especialização produtiva de um país, decorrentes da apreciação da taxa de câmbio resultante do súbito e intenso afluxo de receitas exportação de petróleo (Doença Holandesa ou Dutch Desease, na versão anglo-saxónica).
A repartição equitativa dos benefícios decorrentes da exploração petrolífera entre a geração presente e as gerações futuras.
Finalmente, a utilização dos recursos petrolíferos no financiamento do processo de diversificação da base económica dos países em vias de desenvolvimento.
Minimizar os efeitos decorrentes da chamada Doença Holandesa sobre a estrutura produtiva e o padrão de especialização da economia. Na verdade, a apreciação da taxa de câmbio, que pode resultar da emergência súbita de um afluxo de receitas da exploração do petróleo, conduz à perda progressiva de competitividade dos restantes sectores produtores de bens transaccionáveis e ao seu atrofiamento no médio prazo e, em consequência, a uma especialização crescente em torno das actividades petrolíferas. Em relação aos países em vias de desenvolvimento, reúne consenso entre os economistas a ideia de que uma excessiva concentração da base económica e das exportações nos recursos naturais suscita vários problemas adicionais:
Os recursos naturais exibem uma fraca dinâmica de crescimento da procura decorrente de uma baixa elasticidade procura-rendimento; se não existir uma diversificação da estrutura produtiva, este facto constitui um elemento condicionador do processo de crescimento dos países especializados na exportação de recursos naturais.
Os países em vias de desenvolvimento confrontam-se com uma degradação sistemática dos seus termos de troca em consequência de uma tendência secular para a redução dos preços relativos dos recursos naturais.
A elevada volatilidade dos preços dos recursos naturais, associada à expressão significativa que a exploração desses recursos assume nesses países, acaba por ter reflexos muito negativos e suscitar problemas delicados na formulação de políticas macroeconómicas eficazes e eficientes.
Deste modo, a passagem de uma economia de enclave para uma base económica diversificada constitui um pré-requisito essencial para o desenvolvimento sustentável dessas economias. Uma parte significativa dos argumentos para a criação dos oil funds está bem estabelecida na macroeconomia e na teoria do crescimento.
Como se sabe, a economia angolana funciona de acordo com o seguinte quadro: exporta os seus recursos naturais não renováveis e importa a quase totalidade dos seus bens de consumo. Face ao peso que as actividades relacionadas com a exploração de petróleo e diamantes, dois recursos naturais não renováveis, têm na produção, nas exportações e nas receitas fiscais, existe uma questão que preocupa certamente todos os cidadãos: será possível definir critérios de decisão económica que viabilizem a geração de níveis sustentados de rendimento a partir do momento em que as reservas destes recursos naturais se esgotarem?
A definição dos critérios que permitem assegurar a sustentabilidade económica dos países que se especializam na exploração de recursos naturais não renováveis deve-se a um contributo percursor publicado pelo prémio Nobel de Economia, Robert Solow, num artigo de 1986. Solow salientou que existem dois factores que suavizam a restrição subjacente à escassez dos recursos naturais não renováveis: a existência de progresso técnico e a substituibilidade entre capital natural e capital físico tradicional ou capital reprodutível.
Quando existe progresso técnico, a economia é capaz de assegurar um nível de consumo sustentável no longo prazo, mesmo que o capital natural não seja, por qualquer razão, um substituto, ainda que imperfeito, do capital reprodutível. Solow demonstrou também que, mesmo que não haja progresso técnico, a depleção de um recurso não implica que se tenham níveis de consumo não sustentáveis no futuro, desde que a elasticidade de substituição entre as duas formas de stock de capital (natural e reprodutível) seja superior a um.
Finalmente, Solow mostrou que, se o stock de capital total (isto é, a soma do capital natural e do capital reprodutível) se mantiver constante, é possível garantir, às gerações vindouras, um fluxo de rendimento (e, portanto, de consumo) também constante. As implicações destes resultados na formulação de políticas públicas são as seguintes:
Um país que baseie a sua actividade económica na exploração de recursos não renováveis, pode manter um nível intertemporal de consumo constante, desde que o stock de capital total - isto é, o stock de capital resultante da agregação do capital natural e do capital reprodutível - seja constante ao longo do tempo.
Para que a condição anterior se verifique, o Estado deve criar condições para que a depreciação do stock de capital natural, resultante da exploração do recurso, seja compensado pelo investimento em activos físicos que possibilitem um aumento do stock de capital físico até ao ponto em que o nível agregado do stock de capital (capital natural mais capital reprodutível) se mantenha constante.
De algum modo se pode afirmar que, para que as duas formas de capital funcionem como um sistema de vasos comunicantes, terá de existir alguma substituibilidade entre si.
A este respeito pode colocar-se a seguinte questão: será indiferente legar à geração futura stocks de recursos naturais ou, em alternativa, equipamentos e conhecimento científico?
No passado, o progresso técnico permitiu assegurar a substituibilidade entre capital natural e capital reprodutível, não havendo, portanto, razões para não admitir que tal não venha a ocorrer no futuro.
No entanto, os ambientalistas tendem a considerar que algumas das funções e serviços prestados pelo capital natural não são plenamente substituíveis pelo capital físico e que, portanto, no longo prazo, a delapidação progressiva dos bens naturais poderá conduzir a uma situação limite, em que o sistema económico não tenha capacidade de auto-sustentação já que, devido às leis da termodinâmica, para produzir um output é necessário consumir sempre recursos naturais.


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