terça-feira, 20 de janeiro de 2015

FOLHA 8. GRANDE ENTREVISTA. Filomeno Vieira Lopes




TEXTO: WILLIAM TONET

O F8 começou um ano novo e vai, proceder a breves melhorias em muitas das suas editorias, com temas novos. Para inaugurar o espaço da Grande Entrevista trazemos o economist Filomeno Vieira Lopes que vai, connosco fazer un tour pelo estado de saúde da economia do país e as suas principais contradições.

FOLHA 8 - COMO ENCA­RA ESTA PRE­TENSÃO DO MPLA, QUE TANTO SE OPÔS A UMA MAIOR PONDERAÇÃO, SURGIR AGORA A PEDIR UMA REVISÃO?
FILOMENO VIEIRA LO­PES - Percebeu que esta com a corda na garganta e quer obter algum respal­do da Assembleia (mais como manobra politica para a opinião publica) para justificar as medidas que ja estão em curso. A queda do crude tirou o pano sobre um orçamen­to visando atrair o ex­terior apresentando um nível altíssimo de investi­mentos. Ninguém enten­de com o preço ja abaixo dos 81 usd no último tri­mestre do ano transacto e havendo a Sonangol estimado a 60 usd o seu orçamento, o Executi­vo manteve àquele nível (81) no OGE. Agora têm que ser tomadas medidas muitas das quais carecem de autorização prévia da Assembleia.
F8 - QUAIS SÃO AS CON­SEQUÊNCIAS, NO INÍCIO DO ANO PARA OS ÓR­GÃOS E RESTANTE MÁ­QUINA ESTATAL, DESTE OGE RETIFICATIVO?
1. FVL-Ainda não se sabe. O Executivo deveria ja ter apresentado um plano de ataque à crise que fosse discutido previamente. Mas haverão cortes orça­mentais, pois a máquina do estado é pesada, para servir grupos políticos no seio do partido no poder, mas que em tempo de restrições é incomportá­vel.
F8 - O EXECUTIVO DE EDUARDO DOS SANTOS PODERIA EVITAR ESTA DECALAGE?
FVL- Se fossem tomadas mais cedo medidas de diver­sificação da economia, o país não estaria tão exposto as consequências da queda do preço do petróleo, um preço que não é definido por nós. Se o Executivo de Eduardo dos Santos soubesse gover­nar, ou seja, prever os acon­tecimentos, teria igualmente constituído um Fundo de es­tabilização para compensar a queda do preço. Já houve alturas em que era orçamen­tado 50 usd e o preço real eram 100. A diferença deve­ria ser canalizada para este fundo e agora o mesmo seria utilizado para evitar os pro­blemas que hoje o país tem que enfrentar.
F8 - QUE REFLEXOS HA­VERÁ NA ECONOMIA NA­CIONAL, MAIS CONCRE­TAMENTE, NA RESTANTE MÁQUINA PRODUTIVA?
FVL - O problema que se coloca é ao nível do finan­ciamento da economia real. Grande parte dela pode co­lapsar porque não haverá divisas para financiar os in­vestimentos. Grande parte dos insumos para a máqui­na produtiva vêm de fora. Também o próprio estado é dos maiores investidores e se com um orçamento com receitas previstas a 81 usd o défice (o que as despe­sas superam as receitas) já ascendia a mais de mil mi­lhões de dólares, com me­nos receitas vai ter-se que suspender bastantes projec­tos. Isto afectará a máquina produtiva, sobretudo por­que o país não investiu em organização e competên­cias. Vem tudo tipo “chave na mão”.

F8 - OS PRODUTOS PRO­DUZIDOS EM ANGOLA, FICARÃO MAIS CAROS, COM A SUBIDA DO PRE­ÇO DO CRUDE?
FVL - Dependerá da quan­tidade de matéria prima incorporada nos produtos nacionais que venha do ex­terior. O dólar ficará mais forte e o kwanza vai de­preciar. Isto faz chegar os produtos importados mais caros. Os produtos que se fabricam em Angola cuja cadeia seja exclusivamen­te Angolana serão apenas afectadas indiretamente, ou seja, como os produtores terão que fazer face a infla­ção tenderão a aumentar os seus produtos.
F8 - QUE RELEVÂNCIA POLÍTICA TERÁ O PAR­LAMENTO, QUE NÃO FIS­CALIZA SER CHAMADO PARA ESTA SITUAÇÃO DE RETIFICAÇÃO?
FVL - Se este jogo de fazer do Parlamento mera peça decorativa não se alterar, isto vai sair caro ao país. Aliás, a dita crise já é con­sequência desse modelo político, de partido sozinho. Não ha verdadeira saída da crise sem formulação de consensos, nem sem insti­tuições fortes. A crise apela não só a mobilização de ca­pacidades, mas a necessida­de de controlos rigorosos, pois cada desperdício agra­va ainda mais o problema. Se se pensar que a crise se resolve com consultores externos, que não a evita­ram, o país poderá entrar em colapso, situação que ja se encontra para a gran­de maioria das regiões e da população.
F8– O MPLA COM ESTA ACÇÃO MOSTRA SENTI­DO DE ESTADO OU TRATA OS DEPUTADOS COMO UMA ESPÉCIE INSIGNIFI­CANTE?
FVL - Não se trata de mos­trar sentido de estado. É mera acção politicamen­te correcta para quem se encontra com a corda na garganta. Estará o MPLA preparado para expôr com verdade as finanças do país? Explicar os milhar de milhões que são designados por “outros”? Só na subfun­ção social “Proteção social” 27% das despesas são “não especificadas” (Posição OPSA, ADRA sobre OGE 2015). Estará o Executivo em condições de previamente à rectificação apresentar o Relatório de Execução do ano transacto? para os deputados não dispararem no escuro? Terá a transpa­rencia de apresentar todos os projectos previstos em detalhe? Terá a coragem de viabilizar um programa de fiscalização? E sobretudo, terá ouvidos para escutar o que a oposição em a dizer? São questões difíceis de, na actual momento de acumu­lação primitiva de capital, a classe politica do poder responder positivamente. A tendência será manter o papel figurativo do Parla­mento e ganhar tempo para que a conjuntura económi­ca mude, ou seja, os preços do petróleo voltem a subir.
F8 – HAVERÁ REFLEXOS DRAMÁTICOS NOS OR­GANISMOS SOCIAIS?
FVL - Mesmo em tempo de bonança os organismos sociais, sobretudo os da Educação e Saúde, foram o parente pobre do OGE. Mesmo com o aumen­to relativo previsto para o ensino pré-primário, o Estado apenas investe 2.500 kz/ano por criança (Posição OPSA ADRA). É também aí, na Educação e Saúde, onde a Execução tem sido das piores com atrasos salariais constan­tes, falta de equipamento e ausência de investimento na qualidade. Nem há con­trolo da despesa gratuita. Os livros são vendidos no paralelo e os hospitais não têm medicamentos. E é por aí que ja se começou a cortar. As escolas já não têm vagas para as classes em que os alunos transi­taram. Só para quem cor­rompe ou tem influência. Não há admissão de novos professores. A saúde apre­senta cenário idêntico. São estes sectores que mais estão relacionados com o povo e a tendência da eli­te governante vai ser fazer o povo pagar a crise. Por isto, na actual conjuntura, é inevitável maior deegra­dação dos organismos so­ciais, onde a corrupção vai aumentar.
F8 – O POVO VAI VER A SUA VIDA PIORAR, COM A ALTA DA INFLAÇÃO?
FVL - Devido a, pelo menos, dois factores fundamentais vai haver inflação acima da esperada, embora as econo­mias desenvolvidas estarão em deflação. O primeiro, já referido acima, o país quase que importa tudo o que con­some. A nossa moeda vai degradar-se face ao dólar, como tem acontecido em to­dos os países produtores de petróleo sem moeda inter­nacionalizada. O rublo russo degradou-se já 38%, a Naira da Nigéria 12%, o Bolívar Venezuelano 45%, o próprio Krone da Noruega, 17%. A nossa moeda no final do ano já sofreu igualmente alguma desvalorização. Em kwanzas vamos ter que pagar mais. O outro relaciona-se com o es­perado aumento do preço do combustível que se repercu­tirá em toda a economia.
F8 – O QUE ACHA PES­SOALMENTE, SOBRE TODA ESTA FORMA DE GESTÃO DA MÁQUINA DO ESTADO?
FVL - O período da engorda escondia em certa medida a inexistência de gestão. O país vive subjugado a for­mação de capital para uma elite e toda e toda a gestão vai nesse sentido. O estado está privatizado e isto tem impedido que se criem ins­tituições credíveis. Nesse sentido não é possível alocar a riqueza ali onde ela pode ter bons efeitos para a eco­nomia, mas em pessoas e grupos de conveniência. Por consequência, não há rigor na politica económica.
F8 – A VIDA DO POVO, MAIS POBRE VAI SER AFECTADA DRASTICAMENTE?
FVL - Sim, obviamente. Ja está sendo. Ao invés de se cortar nos luxos da governa­ção, começando pela compo­sição exagerada do Governo, na afectação de mordomias, nas transferências ilícitas, nos projectos de investimen­to para beneficiar certas em­presas, o governo vai atacar na saúde, na educação, nos salários que já não serão re­postos ao nível da inflação do ano anterior, na estagna­ção do emprego. O povo vai sofrer porque os sectores dominantes não vão deixar de ir ao estrangeiro ver uma partida de futebol, de terem senhas de combus­tíveis gratuitas, de adquirir os V8 para seu conforto, de gastar mundos e fun­dos para propagandear o país no exterior e muito dinheiro para a segurança perseguir os próprios an­golanos.
F8 - ACREDITA QUE O AUMENTO DO PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS VÃO CONSEGUIR EQUI­LIBRAR AS CONTAS DO ESTADO?
FVL - Não é por aí. A sub­venção será menos onero­sa inclusive, pois o crude que é a matéria prima por excelência dos combustí­veis esta a baixar. O défice é sobretudo devido aos investimentos que se pre­tendem fazer, pois as des­pesas correntes (onde se situa a subvenção) estão equilibradas. O problema para equilíbrio geral das contas públicas está na eficiência dos sistemas. Há impostos que não são co­brados e há muitos custos que são mero desperdício.
F8 – QUAL A RECEITA QUE APRESENTARIA, NESTE MOMENTO, PARA UMA MELHOR GESTÃO DA COISA PÚBLICA?
FVL - Viabilizar a demo­cracia, criar instituições credíveis, discutir profun­damente os problemas do país aproveitando todas as inteligências, investir na economia real em projetos de interesse nacional. Só a mudança de atitude pode criar bons sistemas de ges­tão. O país dever-se-á pre­parar para um pacote de medidas imediatas (curto prazo) e outras de médio e longo prazo visando a diversificação da econo­mia. O país, mesmo com 50 usd o preço do barril, tem condições para evitar um programa de austeri­dade ou de se endividar externamente a níveis que tornarão o futuro sombrio

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