terça-feira, 10 de abril de 2012

Reacção da Fundação 27 de Maio ao discurso do PR



Ao
Senhor Presidente da República
Eng.º José Eduardo dos Santos
Luanda

Com os nossos melhores e respeitosos cumprimentos;
Aproveitamos o ensejo para lhe endereçar votos de muita saúde na companhia da Sua família e de sucessos em prol da construção da paz e da reconciliação nacional, entre os angolanos que se propaga a quatro ventos.

Acompanhamos milimetricamente, como sempre, o Seu discurso que pensávamos ser reconciliatório, mas infelizmente foi eleitoralista que não reflectiu sobre a data.
Concordamos plenamente quando disse “a calúnia, a difamação e ameaça de morte constituem crimes!”.

Agora, Senhor Presidente!

Manter mais de 80 mil almas, seus companheiros do mesmo partido, assassinados selectiva e indiscriminadamente e os seus restos mortais continuarem a fervilhar nas valas comuns, espalhadas por todo território nacional, é considerado acto de heroísmo?!...

São heróis, porque os autores dos crimes de assassinatos cometidos contra os patriotas perecidos após do 27 de Maio de 1977, são premiados com cargos no Governo, no parlamento  e nos órgão de soberania, nomeadamente nos tribunais Constitucional e Supremo e na Procuradoria Geral da República.

Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola independente foi o mandante principal das matanças verificadas aquando da data em alusão, quando decretou a morte à todos fraccionistas dizendo “não haverá perdão. Não vamos perder tempo com o julgamento. Seremos implacáveis. Os que foram encontrados já foram fuzilados e os que forem encontrados serão também fuzilados para não voltarem a cometer crimes.”

Este homem, sua alma descansa em paz, tem monumento e estátuas construídas em todo país. Sua família recebe anualmente uma grande soma de milhões de dólares americanos, e é considerado herói nacional!...

Enquanto, a família dos perecidos, não poderam chorar, não realizaram óbitos e os que ousaram fazê-los também foram mortos, suas famílias passam grandes vicissitudes tais como: fome, pobreza e miséria, não obstante terem sido eles e os seus ente-queridos, os protagonistas da luta pela independência e da sua afirmação tendo colocado o MPLA que o senhor Presidente lidera no poder a cerca de 33 anos.

Dois pesos e duas medidas. Uns poucos são tratados com dignidade, enquanto a maioria esmagadora da população é tratada com discriminação total.
O povo angolano estava esperar de Si que neste 10º aniversário da assinatura da paz, entre os então beligerantes fosse comemorado por todos angolanos.

Pensávamos ver junto do Senhor Presidente, os presidentes da UNITA e da FNLA, tal como doutros partidos políticos e os líderes religiosos e da sociedade civil, caso não se verificou.
Pensamos ainda que o Seu discurso reflectisse no estado da nação e nos últimos acontecimentos de espancamentos dos manifestantes por um grupo de milícias devidamente identificados, que na presença da nossa polícia espancaram brutalmente pacíficos cidadãos que pretendiam expressar a sua opinião sobre o estado da nação.
 
Expressar sentimentos faz parte da paz social e espiritual, Senhor Presidente! O MPLA manifesta-se quando quer e não encontra intruso, faz a sua manifestação até nos dias não permitidos por lei, enfim!... Agindo assim não podemos falar em Paz, não podemos falar em reconciliação.

Os órgão de comunicação social estatal, a televisão sobretudo, não faz passar nenhuma actividade dos partidos políticos da oposição e da sociedade civil sem conotação política partidária. Quando estes pretendem “fazer um favor” as imagens do acto, permanecem uns segundos. Assim Senhor Presidente, não temos Paz.

Em Novembro e Dezembro do ano transacto, a Fundação 27 de Maio, enviou mais uma vez um dossier de entendimento sobre o passivo, e devido ao silêncio do Senhor Presidente e dos órgãos que dirige, levou a cabo seis manifestações pacificas, no sentido de mais uma vez fazer ouvir a sua voz, infelizmente tudo foi em vão. O silêncio e o cinismo sobre este processo continuam a ser usados como arma que visa escamotear este desiderato tão importante para a reconciliação, de facto, no seio do MPLA e do povo em geral.
  
Senhor Presidente!

Prometer e não cumprir não é truque? Ou no mínimo diríamos que é batota. Veja o que prometeu no dia 10 de Abril de 1992, em resposta a uma carta dirigida à Si pelo extinto Partido Renovador Democrático (PRD) citamos: “o actual Governo partilha da legitima preocupação expressa pelos familiares e amigos das vítimas e desaparecidos da tragédia fraccionista, no sentido de verem complementados os esclarecimentos legais dai decorrentes. Neste sentido, e desde algum tempo, o Governo tem estudado as várias possibilidades de resolução destas questões, incluindo a eventual criação da COMISSÃO, que seria especialmente encarregada da realização desta tarefa”. Ainda na mesma resposta dizia: “Nito Alves, Zé Van-Dúnem, Sita Vales , Sianuk, Monstro Imortal, Juca Valentim, Bakalof, Tonton, Mbala Neto, estes foram condenados e fuzilados!...”

Se, realmente, foram condenados e fuzilados certamente seus restos mortais estão localizados? Se assim é, volvidos 20 anos após desta resposta, no mínimo seus restos mortais deveriam ser entregues aos seus familiares e estes procederem um enterro condigno de acordo com os parâmetros culturais de angolanidade.

Alias, alguns dos comandantes perecidos foram patenteados por Si a título póstumo com graus de Generais. Senhor Presidente, a história universal nos ensinou que os Generais mortos e desaparecidos durante a 2ª guerra mundial, seus respectivos países construíram monumentos em suas memórias. Porque não em Angola?

Pois, como isto queremos lembrar-Lhe que não existe Generais mortos sem campas. Em Angola isto é um caso inédito e ao mesmo tempo ingratidão para com aqueles que deram a sua juventude, como a declaração do BP do MPLA de 27/05/2002 faz justamente alusão que citamos alguns aspectos: “A história recente de Angola, está recheada de factos e acontecimentos que chocaram profundamente várias gerações. O povo Angolano foi e há-de continuar a ser, o protagonista de todos estes actos, que marcaram e marcarão a nossa História.

Depois de mais de quatro décadas sofridas por conflitos de varia ordem, guerra, destruição e excessos de vários tipos, é chegado o momento de caminharmos firmes e decididos na senda das responsabilidades, tolerância e, sobretudo, da reconciliação de toda família Angolana.
A reacção a essa acção levada a cabo pelas competentes instituições para restabelecer a ordem, COMPORTOU TAMBÉM EXAGEROS.

O MPLA acredita estarem reunidas as condições para os angolanos saibam assumir os seus erros e as suas virtudes. Hoje 27 de Maio, numa altura em que se assinala a passagem do 25º ano sobre a data do 27 de Maio de 1977, o MPLA não pode ficar indiferente a ela, manifestando a sua posição perante este facto surgindo no seu seio, A CONTRIBUIÇÃO POSITIVA PRESTADA PELOS PATRIOTAS ANGOLANOS, NA LUTA PELA LIBERDADE E AFIRMAÇÃO DE ANGOLA, NÃO PODE SER IGNORADO.

Com relação a todos quantos, de algum modo, estiveram envolvidos nos acontecimentos em torno do 27 de Maio de 1977, o MPLA RECOMENDA QUE AS INSTITUIÇÕES DO ESTADO, COM O APOIO DA SOCIEDADE, CONTINUEM A TRABALHAR PARA QUE CONSEQUÊNCIAS PRODUZIDAS POR ESTES ACONTECIMENTOS NÃO CRIEM ENTRAVES OU DIFICULDADES DE QUALQUER NATUREZA AO EXERCÍCIO PLENO DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE QUALQUER CIDADÃO. HOUVE INDIVIDUOS QUE AGIRAM A MARGEM DAS INSTITUIÇÕES CRIADAS PARA O EFEITO, COMETENDO EXCESSOS, AGINDO POR INICIATIVAS PRÓPRIAS CONTRA OS CONTESTATÁRIOS NO SEIO DO NOSSO PARTIDO, INCOMPREENDIDOS POR ALGUNS...”, fim de citação.

Sr. Presidente, é do domínio geral que os indivíduos que agiram a margem das instituições criadas para o efeito, cometendo excessos, agindo por iniciativas próprias contra os contestatórios – aqui já são contestatórios e incompreendidos e não fraccionistas – no seio do MPLA, andam ai, cruzam conosco, ostentam cargos como atrás já foi frisado e são proprietários de patrimónios e de grandes somas de dinheiro,enquanto aos perecidos embora foram apelidados de ambiciosos e pequenos burgueses, não deixaram contas bancárias e não eram agentes do imperialismo americano, porque quer cá como lá, não deixaram contas bancárias.

É do domínio geral que os epítetos atribuídos aos infelizes hoje estão invertidos. Pois que os seus algozes têm os dinheiros escondidos nos países do ocidente e nos Estados Unidos de América. Então, Senhor Presidente, honestamente falando, o tempo deu razão aos ditos fraccionistas!...

Senhor Presidente com esta clareza, da resposta à carta do PR e da declaração do BP do MPLA que advogam em resumo, a criação de uma comissão e a orientção das instituições do estado para não criarem entraves e dificuldades sobre os acontecimentos em alusão, o que falta finalmente, que este desiderato – como dizíamos atrás – importantíssimo para o reencontro dos angolanos?

Este silêncio cínico, não assemelha com aquilo que chamou de crime, ou batota e truques? Onde está a reconciliação dos angolanos e paz que durante o comício do Luena, tanto se propagou?

Senhor Presidente!
 
O ódio incubado, e paira nas mentes dos angolanos que durante os anos de guerra, poderá num futuro próximo tornar-se num factor de instablidade, porque não se criou alicerces que permita que a paz que sempre almejamos seja efectiva e duradora.
Sobre a batota e truques, queremos para terminar, tecer alguns aspectos:
- A nomeação da Suzana Inglês a margem da Constituição da Republica – elaborada e aprovada pelo MPLA – não é batota, ou melhor, truques que indiciam fraude?
Porquanto ela Dra. Suzana Inglês, é militante do MPLA e nunca foi magistrada como consagra a nossa Constituição, que a CNE tem que ser dirigida por uma entidade apartidária e magistrada?

A recolha coesiva de cartões eleitorais por parte dos sobas e administradores para proporcionar contagem automatizada como aconteceu nas eleições de 2008, não é batota, ou no mínimo truques, para garantir a vitória almejada?

Alteração da Constituição que previa eleição directa do Presidente da República que deu a entrada na janela do Tribunal Constitucional – contra a vontade dos membros do Comité Central do MPLA – não demonstra claramente batota e truques?

Não respeitar o direito a manifestação, o direito a opinião, o direito a expressar livremente, consagrados na nossa Constituição, não é jogo de batota e de truques? 
 
O uso da velha palavra de ordem que incendiou o país durante décadas “a luta continua e a vitoria é certa”, Senhor Presidente, fica bem num acto sobre a paz, usar esta expressão de triste memória, que teve como consequências a morte de centenas de milhares de angolanos e a destruição do país?

Um partido forte não necessita de antecipar a sua campanha, em detrimento dos ditos fracos. Pois, se o MPLA fosse de facto forte, não estaria de minuto a minuto, apresentar as obras, e algumas descartáveis, na televisão publica à custa do erário público de todos nós.

O que assistimos na televisão e ouvimos nas rádios não pode ser atitudes de um partido que se diz forte. Os fortes devem partir juntos na competição e quando isto não acontece, é porque somos fracos e temos medo. Pois o MPLA apercebeu-se que o povo de hoje não é o de ontem – intoxicado com mentiras, intrigas e jogo baixo; onde a militância está acima da competência; onde os quadros com ânsia de encontrar um emprego imediato com benesses, filiam-se sem convicção política aos comitês de especialidades.

Não vamos nos assustar, é uma questão de tempo vermos um dia à constituição do Comité de Padres, Reverendos, Bispos de algumas denominações religiosas, ao julgar nos seus pronunciamentos públicos, só não vêem e não ouvem, quem não tem olhos de ver e ouvidos de ouvir. Onde senhor Presidente está à paz e a reconciliação, mantendo os seus correligionários políticos e companheiro da guerra de guerrilha nas valas comuns?

Há vozes no seio do MPLA que advogam a resolução do passivo em alusão, só que os algozes são mais fortes do que essas vozes onde o Senhor Presidente faz parte. Então aqui deve mostrar que o Senhor Presidente é, de facto, forte. Porque, a convicção dos fortes é defender os fracos. É assim que o ícone da África, Nelson Mandela, conseguiu ultrapassar todos os males havidos na África do Sul no tempo de apartheid, criando uma Comissão da Verdade que pós termo ao ódio que pairava nas mentes dos sul-africanos autóctones.   
Auguramos, que assim seja.  
Luanda aos 09 de Abril de 2012.
O Presidium da Fundação 27 de Maio

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