Maputo
(Canalmoz) – O Conselho Superior de Comunicação Social decidiu censurar
publicamente o tipo de jornalismo praticado pelo Canal de Moçambique e mais
alguns jornais alternativos. Por uma questão de responsabilidade pessoal não
deixaria passar a deliberação sem tecer alguns comentários. Primeiro porque é
um assunto que me interessa a mim como profissional. Segundo porque o jornal
onde trabalho é apontado no ranking do CSCS como o mais transgressor das normas
jornalísticas agora criadas por aquele órgão. Espero sinceramente pela
compilação dessas normas num Manual de Censura a ser financiado pelo Governo.
Digo normas porque o Conselho Superior de Comunicação Social traz novos
conceitos de jornalismo que não deixam de ser interessantes. Mas convém antes
esclarecer o seguinte: Está claro que o tipo de jornalismo praticado pelo
semanário Canal de Moçambique não está a agradar ao poder. Por uma questão
muito simples: aqui não exaltamos o glorioso partido nem os seus dirigentes.
Longe disso: estamos atentos a qualquer tipo de comportamento estranho aos fins
que ao Estado cabe prosseguir. É nosso papel primordial enquanto um longamano
da sociedade civil: defender o interesse público.
Não
quero aqui cair no populismo de defender que somos praticantes de um jornalismo
puritano. Cometemos erros assim como qualquer outro actor que joga neste imenso
campo a que chamamos sociedade.
Na
sua deliberação o Conselho Superior de Comunicação Social acusa o Canal de
Moçambique de ser uma “Publicação que não se preocupa em ouvir as partes
mencionadas nas peças, uma flagrante e sistemática violação do princípio de
produção de uma informação completa a objectiva, não respeitando o princípio do
contraditório previsto no artigo 28 de Lei 18/91 de 10 de Agosto”. Para
“fundamentar” a sua acusação o CSCS cita exemplos de alguns títulos que fizeram
manchete neste jornal.
1. Corrupção na Assembleia da República: Verónica Macamo
debaixo do fogo.
2. Na Assembleia da República: Roubo de Milhões
3. No Município de Inhambane: Aires Ali envolvido em
negócios ilícitos
4. Quilambo é cúmplice da podridão na UEM
São
quatro as matérias que fazem do Canal de Moçambique aos olhos do CSCS
“praticante de um mau jornalismo”. Antes de avançarmos para aventar as
hipóteses do possível espírito da deliberação convém analisar os critérios
mencionados pelos CSCS para acusar o Canal de Moçambique. São eles: princípio
de contraditório e informação objectiva, esta última como consequência do primeiro
item. E para fazer tal análise vou partir do pressuposto de que as ilustres
figuras do CSCS tenham tido na vida a soberba oportunidade de ter lido pelo
menos um livro de introdução ao Jornalismo: seja ele de Jorge Pedro Sousa,
Anabela Gradhim, Ricardo Cardet, Nuno Crato ou mesmo aquelas fichas de
capacitação que a Reuters emite anualmente. A minha segunda suposição é que os
ilustres tenham sido alguma vez estudantes ou no mínimo curiosos do jornalismo.
Para
o princípio de contraditório não precisamos de recorrer a manuais e chavões
académicos. Peguemos uma definição tão simples quanto a da escola inglesa de
jornalismo. Princípio do contraditório: uma regra básica que consiste em ouvir
todas as partes envolvidas numa história, com o objectivo de evitar a
veiculação de informação incorrecta ou tendenciosa. Em teoria, é um
procedimento lógico e necessário, vantajoso para todos os interessados na
verdade; na prática, encontra alguns obstáculos, cabendo ao jornalista
contorná-los. Portanto há uma entidade que é centro da notícia cujo conteúdo
nos remete a outra parte. Em relação à objectividade, na sua obra sobre
Imprensa e Guerras, José Rodrigues dos Santos refere que a objectividade
absoluta não existe porque as estórias são escritas subjacentes aos valores de
cada jornalista e em relação ao modelo de organização da estória. Jorge Pedro
Sousa remata introduzindo o conceito de framing ou enquadramento: entendido
como a forma de construção da notícia com o fim de criar interesse nos
leitores.
Na
primeira peça: O Canal de Moçambique foi informado que uma bancada da
Assembleia da República submeteu uma carta à direcção do Parlamento a pedir
explicações sobre o desvio de fundos na própria AR. Estão identificadas todas
as fontes. Incluindo o Secretário-Geral da Assembleia da República foi por mim
ouvido para a produção da matéria.
Na
segunda peça: O Canal de Moçambique recebeu uma carta dos funcionários
administrativos que logicamente pediram anonimato. Na boa prática da escola
inglesa fomos atrás da presidente do Parlamento que nos confirmou parte dos
desvios a que a carta fazia referência. Está lá escrito no jornal.
Na
terceira peça: O Boletim da República é a nossa fonte primária. A publicação
oficial da República de Moçambique prova que Aires Ali é sócio de quem é da
empresa envolvida em actos ilícitos. Ao município foi dada a oportunidade de
reagir e fugiu de o fazer. Está lá escrito no jornal.
Na
última peça tivemos acesso ao relatório oficial da Universidade Eduardo
Mondlane. Os graves problemas a que fizemos referência estão lá no jornal.
Orlando Quilambo sempre fez parte da direcção da Universidade desde que os
problemas começaram até à fase da podridão a que chegaram e está reflectida
explicitamente no relatório que reproduzimos. Ele próprio, o Reitor, viria a
reconhecer em conferência de imprensa. Nada mais fizemos senão chamar as coisas
pelos seus próprios nomes.
Ora,
de que princípio de contraditório e objectividade fala o CSCS? De que escola de
jornalismo? De que autor? Posto isto, nota-se claramente que o Conselho
Superior de Comunicação Social perdeu uma grande oportunidade de continuar mudo
tal como nos habituou. Quis quebrar o modus operandi, mas fê-lo da pior forma.
Reza a Constituição da República de Moçambique que o Conselho Superior da
Comunicação Social é um órgão de disciplina e de consulta que assegura a
independência dos meios de comunicação social, no exercício dos direitos à
informação e à liberdade de imprensa, bem como dos direitos dos direitos de
antena e resposta.
A
exposição acima mostra claramente que o CSCS actuou fora do seu escopo. Actuou
contra a independência dos meios de comunicação social, no exercício dos
direitos à informação e à liberdade de imprensa. Mas esta actuação tem raízes
muito profundas que se explicam na sobrevivência oficial dos seus membros. O
Conselho Superior da Comunicação Social é composto por onze membros, sendo dois
membros designados pelo Presidente da República; Um membro designado pelo
Conselho Superior da Magistratura Judicial; Quatro membros eleitos pela Assembleia
da República; Três representantes dos jornalistas, eleitos pelas respectivas
organizações profissionais; Um representante das empresas ou instituições
jornalísticas; O presidente do CSCS é designado, dentre os respectivos membros,
pelo Presidente da República. E como se não bastasse depende do Governo para
dotação orçamental para o seu funcionamento.
Na
verdade, o CSCS sofre daquilo que quase todas as instituições de fiscalização
de Estado sofrem: são órfãos do seu próprio objectivo. Isso porque logo à
partida têm como patrão o Presidente da República, por incumbência ideológica,
o primeiro-ministro por incumbência intermédia de hierarquia e por último o
ministro das Finanças por incumbência financeira. O ridículo começa aqui. Está
claro aqui que o objectivo não será aquele plasmado no artigo 50 da Lei
Fundamental. Mas, sim, uma espécie de agentes de imagem e marketing do Governo.
Não passa disso. E a última deliberação do CSCS o prova. Em países normais,
órgãos como estes não têm ligação com Governo. Não dependem do Governo para
funcionar. Os seus dirigentes não são indicados a dedo. São senhores eleitos,
com créditos firmados a nível da sociedade civil, grandes activistas sociais
que se batem não pelo tacho, mas por uma sociedade justa, onde a informação é a
arma com que os cidadãos lutam e protestam.
É
para mim muito estranho que o CSCS, tão legalista, fique enclausurado quando a
Televisão e a Rádio Públicas, a TVM e a RM, são usadas como instrumento de
propaganda política e de exclusão social, por exemplo quando transmitem em
directo as reuniões do partido Frelimo quando são obrigados a abrir os jornais
regra geral com o diário do Chefe. Quando os jornais participados pelo Banco
dos moçambicanos, o Banco Central, servem de bloco de nota do poder político. É
quanto a mim aqui onde este Conselho Superior de Comunicação Social tinha de
actuar. E não na alternativa que escrutina dia e noite o poder. Ademais, há
dois ilustres que fazem parte do Conselho Superior de Comunicação Social que
são directos concorrentes do Canal de Moçambique. Sendo que está provado que a
deliberação padece de vícios de “vazio material” e de instrumentalização
ideológica é de todo lógico que coloquemos também em questão uma possível
concorrência usando meios do Estado. É perigoso um Conselho Superior de
Comunicação Social anti-independência.
A
terminar, gostaria de recomendar aos 11 ilustres membros do CSCS que leiam o
Professor Rafael Paes Henriques. Diz que um dos princípios mais fundamentais
para a actividade jornalística é o da liberdade. De acordo com esse valor, os
jornalistas precisam ser livres para exercer a actividade, caso contrário todo
trabalho fica comprometido, ou até mesmo inviabilizado. Por essa razão, o
próprio exercício do jornalismo está associado à defesa da liberdade de
expressão e de manifestação do pensamento. Em outras palavras, esse é um valor
que não só funda, como também dá sentido e até finalidade à actividade
jornalística. Assim sendo, ser jornalista implica a partilha de um ethos que
tem sido afirmado há mais de 150 anos. Mas ser jornalista também implica a
crença numa constelação de valores, a começar pela liberdade. São inúmeras as
afirmações que apontam para esta relação simbiótica, em que a liberdade está no
centro do desenvolvimento do jornalismo (Traquina, 2005, p. 130-131).
Só
o CSCS e seus membros vêem a liberdade como elemento contrário ao Jornalismo. E
isso é grave! (Matias
Guente)
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