terça-feira, 3 de abril de 2012

O ambiente político no país no ano das terceiras eleições - Alves da Rocha



Luanda - As eleições legislativas e presidenciais anunciadas para Setembro deste ano são um dos grandes acontecimentos da comemoração de 10 anos de paz. Foram 27 anos de guerra civil – um período muito longo – mas os balanços ainda não se fizeram com a profundidade que talvez só a História será capaz, com a imparcialidade exigida, de efectivar. Na verdade, em Setembro deste ano, decorrerá mais um ciclo eleitoral, desta vez em simultâneo para o parlamento e presidente da República. É um acontecimento de grande importância para os angolanos.

Fonte: SEMANÁRIO EXPANSÃO Club-k.net
No entanto, é necessário atentar em alguns aspectos. O resultado esperado é como a crónica duma morte anunciada do grande escritor Gabriel Garcia Marques, visto saber-se de antemão quem serão os vencedores. Do ponto de vista económico esta expectativa política pode ser muito interessante para os decisores empresariais, ao reduzir a margem de incerteza dos negócios desencadear efeitos positivos sobre as suas margens de ganhos.

Mas sobressaem outros aspectos que podem vir a ser objecto duma relativa desvalorização do processo eleitoral.

Um desses aspectos é a enorme discrepância de meios de intervenção na campanha eleitoral, que não se compaginam com as características duma democracia moderna, estável, equilibrada e que se pretende rotativa. Não se descortinam factores que possam alterar a desproporcionalidade de acesso a meios financeiros de apoio às campanhas eleitorais entre os partidos políticos angolanos, sendo, por conseguinte, legítimo esperar-se que o MPLA ganhe estas e as eleições seguintes e se mantenha no poder durante muitos mais anos.

Esta estabilidade política – ainda que se possa discutir se a permanência dum mesmo partido no poder durante muitos anos seja democracia, no sentido da alternância do poder e da possibilidade de se proporem novas ou diferentes funções de preferência estatal  – pode propiciar que a economia angolana reforce a confiança junto dos investidores privados, nacionais e estrangeiros, ainda que os riscos de corrupção e de partilha desigual e ilegítima dos resultados do crescimento possam ser maiores, com as subsequentes consequências sobre o funcionamento do mercado e a dinâmica da economia.

O processo eleitoral parece apresentar-se com vícios de forma e de conteúdo que ferem a sua credibilidade e lhe retiram os seus fundamentos democráticos e de liberdade. Já não são apenas as questões relacionadas com a independência da Comissão Nacional Eleitoral, nem a possibilidade de uso menos equilibrado e equidistante dos meios de comunicação social do Estado. A UNITA – o maior partido da oposição e com grande responsabilidade política dada a sua implantação em certas regiões do país – parece estar disposta a hipotecar alguma da sua capacidade e dinâmica de intervenção  por valores financeiros irrisórios: compensação material pelos seus edifícios destruídos em 1992 e atribuição de concessões de exploração de diamantes nas Lundas .

Por seu turno, o PRS – o terceiro maior partido político com assento parlamentar e o único que assumidamente defende a federalização do país – que parece conhecer bem a íntima relação entre política e interesses materiais, pessoais ou corporativos, ameaçou: “ vocês do MPLA têm tudo. Portanto, se não nos derem alguma coisa, nós podemos incendiar o país. ” Evidentemente que os eleitores honestos e que procuram exercer os seus direitos de livre e consciente escolha dos dirigentes do país ficam desconcertados com estas notícias e desorientados quanto ao sentido do seu voto, podendo começar a ganhar corpo e sustentação atitudes de abstenção e de voto em branco .

O prolongamento do ciclo económico do petróleo é, igualmente, um factor que pode influenciar os ciclos políticos no país. Enquanto a procura e o preço se mantiverem em níveis elevados no mercado internacional, a desproporcionalidade de meios beneficiará o partido no poder. Os piores cenários quanto às reservas petrolíferas de Angola – sem a consideração de novas descobertas – apontam o período 2020-2024 como o do início da queda das receitas do petróleo , embora as previsões sobre os preços internacionais estejam desfasadas da realidade de hoje.

O MPLA não tem sabido explicar, com coerência e rigor político, como consegue conciliar uma ideologia reclamadamente de esquerda (continua a considerar-se um partido socialista, daí a sua filiação na respectiva Internacional) com a enorme riqueza e fortuna de alguns dos mais proeminentes membros e dirigentes do seu Comité Central e Bureau Político. Esta contradição projecta-se na sociedade, onde as desigualdades económicas e sociais são ilustradas por um índice de Gini de 0,60 .

A desproporção de meios materiais envolvidos na corrida eleitoral, a favor do MPLA, e a utilização de algumas formas de intimidação (mesmo que sibilinas) levam a recear que a consulta eleitoral deste ano não seja mais do que um instrumento e escudo protector dum regime internacionalmente considerado autoritário (ver considerações seguintes a este propósito) . Não se compreende a razão de ser de determinadas posturas do partido e de alguns dos seus dirigentes quando a vitória eleitoral está perfeitamente assegurada, não sendo necessário usarem-se técnicas e abordagens políticas menos transparentes .

A pré-campanha eleitoral tem-se caracterizado por actos diversos de intolerância face à liberdade de manifestação constitucionalmente estabelecida , não se entendendo as razões essenciais e substantivas para tal, uma vez que não existem dúvidas de que o MPLA e o seu candidato à Presidência as vencerão. Ou será que se desconhece a amplitude real do descontentamento da população e pretende-se, logo pela raiz, cortar qualquer veleidade de o mesmo se expressar e alastrar?

Ora, com este cenário como pano de fundo, pode concluir-se que a democracia não está consolidada, ocorrendo vários episódios de intolerância política e de uso discricionário de meios e instrumentos em favor do MPLA e do Governo.

O ponto de vista político é essencial para o desenvolvimento. Sociedades abertas, democráticas, participativas, liberais e responsáveis são um ingrediente fundamental para a felicidade das pessoas. Cidadãos felizes são trabalhadores, empresários, professores, investigadores, governantes, escritores e artistas mais produtivos. Do ponto de vista político, a situação parece ser crítica em Angola. Como se sabe, as opiniões internas são muitas e divergentes sobre este item e, por isso, para ilustrar um ponto de vista independente utilizou-se o Democracy Index de 2010 e 2011 construído pelo The Economist, a mais prestigiada revista de economia do mundo .

O seu estudo sobre as condições de exercício da democracia no mundo já vai na quarta edição e para os seus autores a situação política no mundo em 2011 apresentou alguns retrocessos. São investigados 167 países, agrupados em “democracias completas”, “democracias incompletas”, “regimes híbridos” e “regimes autoritários”. Cabo Verde, em 2011, conseguiu ser a primeira das democracias incompletas, à frente de alguns países europeus. Ainda dentro desta categoria aparecem, no contexto da SADC, países como a África do Sul, Botsuana, Lesoto, Namíbia, Zâmbia e Malawi. As Maurícias foram consideradas como um país de democracia plena. Angola está classificada em 133º lugar, dentro do grupo dos regimes autoritários . E a situação piorou de 2010 (131º lugar), para 2011.


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