domingo, 4 de março de 2012

A UNITA, as eleições e Savimbi - João Melo


Luanda - Tenho tido, de quando em vez, privadamente ou nas redes sociais, alguns debates interessantes com alguns amigos pertencentes à UNITA, que talvez fosse útil, um dia, reproduzir, em especial diante dos angolanos mais jovens, abertamente e sem quaisquer compromissos partidários de parte a parte.

Fonte: NJ Club-k.net
lguns desses amigos queixam-se por, supostamente, eu insistir em criticar a UNITA “pelo seu passado” e não por aquilo que ele representa hoje. Acontece que, independentemente da boa vontade de alguns membros do (ainda) maior partido da oposição, a verdade é que a UNITA não se consegue libertar do seu passado e trata de reproduzi-lo todos os dias, no presente. É por isso que ela não tem capacidade para ser a oposição de que Angola precisa.

A atitude da UNITA na última quarta-feira, ao abandonar a plenária da Assembleia Nacional no momento em que ia começar o debate sobre um conjunto de leis eleitorais, demonstra mais uma vez a incapacidade a que me referi no parágrafo anterior. Insistindo na estratégia da cadeira vazia, a UNITA está não apenas a banalizar esse recurso democrático, retirando-lhe a eventual eficácia política, mas também a confirmar que não tem condições para ser uma oposição credível e muito para governar o país.

O argumento da UNITA para justificar a repetição dessa atitude – a sua discordância, por suposta ilegalidade, em relação à nomeação pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) da presidente da Comissão Nacional Eleitoral Independente (CNEI) - não passa de um pretexto. Se não fosse esse, seria outro. Se não, vejamos.

Caso a UNITA estivesse de facto interessada na legalidade, tinha duas vias: requerer ao Tribunal Supremo que verificasse a legalidade do acto do Conselho Superior da Magistratura, intentando, pois, uma acção principal; ou então pedir ao plenário da Assembleia Nacional que procedesse à interpretação da alínea a) do número 1 do artigo 143º da Lei Orgânica das Eleições Gerais (composição da CNEI).

Na verdade, e ao contrário do que juram até jornalistas reputados da nossa praça (eles terão lido bem a lei?), aquele dispositivo não afirma (repito: não afirma) expressamente que só pode presidir à CNEI um magistrado judicial “em efectividade de funções”. Por isso, alguns juristas alegam que, por exemplo, um magistrado jubilado pode perfeitamente ser nomeado para esse cargo, enquanto outros afirmam que pode também sê-lo alguém que já tenha exercido as funções de juiz no passado, como é o caso de Suzana Inglês.

Acrescente-se ainda que, no momento do concurso para presidente da CNEI, Suzana Inglês não estava a exercer funções de juiz, mas também não estava a exercer advocacia, contrariamente ao que insiste a oposição radical: ela era presidente cessante da antiga Comissão Nacional Eleitoral. Segundo sei, inclusive, ela terá solicitado ao CSMG a sua reintegração no quadro de juízes, precisamente para poder concorrer para dirigir a CNEI. Desconheço se o referido conselho já havia decidido sobre isso ou não.

É claro que tudo isto é juridicamente discutível. Não preciso de ter ficado dez anos na Universidade para concluir o curso de Direito para sabê-lo. Os meus três anos incompletos em Coimbra e Luanda bastam-me para isso (felizmente, mudei-me para outras áreas).

Como vimos acima, o sistema democrático angolano prevê instituições e formas para resolver esse tipo de dúvidas jurídicas (o Supremo ou o plenário da Assembleia Nacional), mas a UNITA recusou-se a usá-las. Ao invés disso, intentou uma providência cautelar, que, a ser aceite, teria como efeito a suspensão de todos os actos preparatórios das eleições. Com isso, pretendeu atingir um interesse público fundamental, neste momento: a realização de eleições nas datas previstas.

A conclusão é só uma: a UNITA não quer eleições em Setembro deste ano. Naturalmente, só esse partido sabe das suas motivações, mas permito-me deixar no ar duas perguntas: será que a estratégia da UNITA visa apenas obter certas vantagens “extraparlamentares” (leia-se: materiais)? Terá ela receio de ver a sua bancada reduzir-se ainda mais em Setembro deste ano?

Mais uma vez, a UNITA está a cometer um erro de avaliação que lhe pode ser fatal, pensando ter uma força que não tem. Como eu recordei na minha declaração no parlamento sobre este assunto, se em 1993, em condições muito mais desvantajosas, o MPLA e o governo não ficaram reféns da estratégia da UNITA (tomar o poder pela força), não será agora, em 2012, que hão-de ficar. Se a UNITA quiser boicotar as eleições, corre o risco de se fragmentar ainda mais internamente e de perder o estatuto de segunda maior força política do país.

Não será nenhum drama se isso acontecer. O país pode, inclusive, ficar melhor. Há muito que eu digo que o nosso país, como qualquer outro, precisa de uma oposição forte, credível e moderna, mas, na minha opinião, a UNITA não tem nem perfil nem capacidade para representar esse papel. Angola carece de uma oposição à altura da maturidade, do espírito de abertura, da generosidade, da independência e do anseio de modernização do seu povo e não de uma oposição que repita monocordicamente as mesmas críticas de sempre, que veja fantasmas onde eles não existem e que seja incapaz de ultrapassar os traumas e os ressentimentos do passado.

Aos que ainda têm dúvidas de que a UNITA não é a oposição que o país merece, peço que reflictam no significado da tentativa de branqueamento da imagem de Savimbi por parte desse partido. O projecto político da UNITA é esse. Se, hipoteticamente, ele fosse implantado, Angola recuaria até aos anos 50 do século passado ou mais atrás ainda.

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